Para o vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, o partido saiu fortalecido das urnas e seu peso na reeleição de Dilma Rousseff "foi mais do que razoável". Por esses e outros motivos, afirma que o PMDB é o fiador da governabilidade: "Hoje é possível governar porque o PMDB apoia o governo. Se não apoiasse, criaria um problema". Temer confirma que está mantido — e talvez ainda mais consolidado — o projeto de lançar uma candidatura própria à Presidência em 2018. E se diz tranquilo quanto à solidez da base de apoio do governo no Congresso em2015, mesmo se seu indócil colega de partido Eduardo Cunha (RJ) assumir a Presidência da Câmara. "Ele não será problema, porque, acima dele, de mim e dos partidos está a Constituição, que diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Haverá questões, mas estamos aqui para dialogar", diz, adiantando que não pretende interferir na disputa pelo comando da Casa. Para ele, há amadurecimento entre os congressistas para fazer a reforma política e enfrentar, inclusive, o "tormentoso" tema do financiamento de campanha. Ele prefere não especular sobre a cota de ministérios do PMDB, mas diz que o partido deverá ter "presença muito significativa" e uma "inserção maior na formulação de políticas de governo".
Como o PMDB se saiu nas urnas?
Saiu-se muito bem. Além dos sete governos estaduais que ganhou, mesmo onde não ganhou o partido teve um desempenho bastante expressivo, porque as diferenças foram pequenas com aquele que venceu a eleição. Na Câmara, fizemos a segunda bancada, bem próxima da primeira (do PT). No Senado, já somos a primeira bancada. Temos o maior número de prefeitos, o maior número de vereadores e de deputados estaduais. Além disso, ganhamos a vice-presidência da República. O PMDB, como força política, saiu muito fortalecido das urnas. O balanço das eleições é muito favorável.
Qual foi o peso do PMDB na eleição da presidenta Dilma?
Foi mais que do que razoável. Eu próprio viajei como nunca pelo país. Nem fiz o cálculo da quilometragem. Viajei pelos estados, fui a São Paulo, três vezes ao Rio Grande do Sul, três vezes ao Rio, fui a Santa Catarina, Paraná. Reunimos prefeitos, vereadores.
Esse fortalecimento se traduzirá em mais ministérios?
Essa é uma decisão da presidenta. Os ministérios são um tema que a presidenta ainda não mencionou. Acho que o PMDB vai ter uma inserção maior na formulação das políticas públicas do governo. Mas essa é uma decisão da presidenta, e não um fundamento na relação PMDB-PT.
Um dia após a vitória, o sr. se encontrou com a presidenta. Ela deu sinais de que haverá essa atuação mais direta do PMDB no governo?
Dilma foi muito delicada comigo e disse que temos que nos falar quase diariamente. Ela tem sido muito correta e gentil comigo. No discurso da vitória, fez elogios até exagerados. Tenho a sensação de que todos nós do PMDB teremos uma presença muito significativa. Ela tem demonstrado exatamente isso.
Os ministérios do PMDB serão mantidos, ou haverá novas pastas?
Vai depender das conversas que ela venha a ter e do que ela desejar quando convocar o PMDB para tratar do assunto.
O PT teria menos ministérios para ceder lugar ao PMDB?
Isso é especulação, não há nada concreto.
Mas o sr. concorda que,ao contrário do PMDB, o PT se enfraqueceu e por isso pode perder ministérios?
A composição do governo é técnico-política. É preciso somar esses dois fatores para verificar qual é a adequação de cada partido no governo. A presidenta saberá fazer isso com toda certeza.
A diferença de votos pequena no segundo turno compromete o capital político do governo?
Primeiro, a diferença não foi tão pequena. Foram quase 4 milhões de votos de diferença. Fala-se muito em divisão no país, mas o que houve foi uma saudável e democrática divisão eleitoral. Numa democracia não se pode levar esta tese da divisão eleitoral para uma divisão do país. Isto não é útil para o país, nem para a democracia. A democracia é isso: se você ganhou por 3 votos, ganhou por 3 votos. Se você ganhou por 4 milhões de votos, ganhou por 4 milhões de votos. É inadequada essa história de dizer que houve divisão do país.
Mas o resultado demonstra um certo descontentamento com o governo, o sr. não acha?
Pode ter havido uma parte descontente, e outra parte que achou que o outro candidato era melhor, ou que o outro candidato poderia cumprir melhor as tarefas governamentais. São as duas coisas. Ainda que o governo muitas vezes esteja indo bem, o eleitor pode olhar a outra candidatura e avaliar que ela pode cumprir melhor as tarefas governamentais. É assim que o eleitor vê, especialmente agora que não existe mais o voto de liderança. Em um passado remoto,quando um líder político indicava um voto, os outros acompanhavam. Hoje não, percebe-seque, pela televisão, pelas redes sociais, o eleitor examina em quem ele vai votar. Acho isto uma coisa saudável. Acho muito útil a tese de "um homem, um voto". Cada eleitor decidir o seu voto é uma evolução.
São Paulo, um estado muito rico, votou em Aécio. O resultado refletiu as políticas distributivas deste governo, ou seja, para onde foram mais recursos — os programas sociais—o voto também foi?
Há dois fatores aí. Primeiro, um dado curioso: Dilma teve mais votos no Sul e no Sudeste (26 milhões) que no Norte e no Nordeste (24 milhões). O segundo ponto é que, no caso de São Paulo, havia a figura do governador Geraldo Alckmin, que foi eleito logo no primeiro turno com uma margem bastante significativa. Isso funciona também na cabeça do eleitor. Isso influenciou bastante o eleitor de São Paulo. Foi mais isso do que o fator distributivo, até porque, na verdade, o governo fez muito pelo Nordeste, mas fez muito por todo o país. Indo a São Paulo, é possível verificar o que foi feito pelos municípios paulistas.
Então, não há a divisão entre pobres e ricos...
Não, absolutamente. Devemos repudiar essa tese. O que houve foi uma divisão eleitoral. Conheço muita gente bem posta economicamente que votou na gente.
A oposição, e até o PMDB, usa o argumento do país dividido para definir o novo presidente da Câmara. Como o sr. vê isso?
Vejo a oposição com bons olhos. Quem tem sentimento democrático, vê com bons olhos até a oposição. Porque a oposição não deve sê-la só porque perdeu a eleição. A oposição, em um sistema jurídico democrático, visa ajudar a governar. Em primeiro lugar, fazendo as críticas para que quem está na situação examine as críticas e verifique se são pertinentes, ou não. Em segundo lugar, no momento em que o governo age com planos adequados, a oposição tem que aplaudir. Este é o sentido jurídico da oposição. São duas coisas distintas: uma é o momento eleitoral em que há a contenda para se chegar ao poder. Outro é o momento político administrativo, em que todos se unem para o bem do país.
Então, o sr. acha legítima a tese de que a oposição comande a Câmara?
Em primeiro lugar, hoje estou no Executivo, e essa é uma decisão da Câmara e do Senado. O segundo ponto é que, na decisão deles, vai cumprir-se o critério da proporcionalidade. O que acontece sempre é que o maior partido indica o presidente. No passado fizemos o acordo do revezamento entre o PT e o PMDB, assegurávamos para o PMDB uma posição em um dos biênios. Esse critério no passado deu certo. Não sei qual é a realidade hoje. Quem vai decidir essa matéria são os deputados. Pessoalmente, acho que se houvesse um grande acordo pelo critério da proporcionalidade, a manutenção do revezamento seria útil para a Câmara, o Congresso e o país.
Tanto pelo critério da proporcionalidade, quanto pelo revezamento, seria o PT a ocupar primeiro o cargo, já que o deste biênio foi o PMDB...
E ainda há a possibilidade de haver a formação de bloco. Daí, cumpre-se o desígnio constitucional da proporcionalidade, o maior bloco tem a primazia. Acho que um acordo de composição entre os biênios na Câmara é sempre útil.
O líder do seu partido da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), conhecido pela atuação independente, está se colocando como candidato. Se assumir a Presidência da Câmara, não será um problema para a presidenta?
Ele não será problema porque acima dele, de mim e dos partidos está a Constituição Federal, que diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Independência não significa colocar um Poder contra o outro. O que a Constituição estabeleceu é que existe um único poder no país, que é o poder do povo. Depois, criam-se órgãos para exercer esse poder. Haverá questões administrativas e políticas, mas estamos aqui para dialogar. O diálogo do Executivo é importantíssimo e deve imperar. Seja quem for eleito presidente da Câmara, não acho que vá haver trauma institucional.
Mas o sr. considera Eduardo Cunha um bom nome?
Não quero entrar em considerações sobre nomes. Não quero que digam que o vice-presidente é por esse ou aquele.
Mas será ruim para Dilma? Nos últimos anos Eduardo Cunha vem causando problemas para o governo nas discussões da Câmara.
O governo não perdeu nenhuma votação, salvo um embaraço que houve na discussão do Código Florestal, mas que depois houve uma harmonização.
O governo perdeu na votação dos conselhos de participação popular, na semana passada...
Isto foi logo depois das eleições. Era um tema extremamente polêmico. Eu mesmo reconheço a polemicidade do decreto.
O sr. era contrário?
Digamos que eu achava que deveria ter havido uma conversa prévia com os líderes do Congresso. Como não houve, o Congresso se insurgiu, se sentiu apequenado. Mas essa derrota não é nada grave, não muda a institucionalidade do país.
Não deve ser tomada como uma projeção de como as coisas serão para a frente?
Creio que não. Acabamos de sair das eleições, muita gente veio comtra uma eleitoral. Isso foi colocado um dia depois da votação. Vejo com naturalidade.
E quais vão ser os desafios na próxima legislatura?
A boa relação com o Congresso e com a sociedade. Essa pregação que a presidenta está fazendo é muito útil. Ela quer um governo de inter-relacionamento com todos os setores da sociedade. O tema central da nossa conversa na terça-feira foi exatamente esse, como fazer essa pactuação com os vários setores sociais: com o empresariado, com os sindicatos, com a universidade. Ela quer conversar até com quem foi candidato à Presidência.
O sr. vê nesse discurso da presidenta um mea-culpa?
Não, vejo o fortalecimento da democracia. O primeiro evento de uma democracia é que quem perdeu nas urnas deve continuar agindo politicamente, mas compreendendo que outrem venceu a eleição. Quem ganhou, por sua vez, tem que buscar esse diálogo que ela está procurando.
Essa busca está associada à pequena diferença de votos?
Não. Em qualquer hipótese, haveria essa busca pelo diálogo.
O PMDB será mais fiel ou menos fiel ao governo?
Será tal e qual o governo atual, com divergências internas, mas depois chegando a uma convergência. No passado também foi assim, mas no final conseguimos sempre aprovar tudo. Muitas vezes, como a presidenta sempre fez reunião de líderes de partidos, ela ouvia ponderações que eles faziam e os projetos eram modificados. Quando chegava no Congresso, eram arredondados.
Em relação aos outros partidos, o sr. vê mais dificuldades?
Não. Aumentou o número de partidos no Congresso. Mas, na sua maioria, são partidos que já aprovavam a candidatura (de Dilma).
Em relação ao PSB e ao PTB, o que o sr. espera deles?
O PTB sempre apoiou o governo e tem representantes no governo. A base parlamentar apoiava Dilma, e várias pessoas de expressão do PSB apoiaram a nossa candidatura, como o próprio ex-presidente do partido Roberto Amaral, Luiza Erundina e Lídice da Mata. As primeiras semanas são sempre quentes, mas acho que vai se normalizar.
Candidatos a governador expressivos do PMDB ligados ao governo foram derrotados, como Eduardo Braga e Henrique Eduardo Alves. Pode ser uma sinalização do desgaste da ala pró-governo?
Nesses casos a diferença foi pequena. O eleitorado desses candidatos foi muito significativo. Nenhum deles perdeu por uma margem muito grande.
Tem um projeto que lhe é muito caro, que é a candidatura própria do PMDB em 2018. Eduardo Paes (prefeito do Rio de Janeiro) já estaria se colocando como candidato.
Realmente, há um dado momento em que o PMDB não resiste mais a evitar a candidatura própria. Quando o PMDB não teve candidatura própria, assegurou a governabilidade. Hoje é possível governar porque o PMDB apoia o governo. Se não apoiasse, criaria um problema. Então, o PMDB gerou um benefício para o país, embora não tivesse candidato a presidente da República. Reitero que o fato de não ter a Presidência não significa não ter poder político. Não é sem razão que o PMDB tem as Presidências da Câmara e do Senado, tem a maioria do parlamento, tem governadores. Agora, há um anseio no partido de termos uma candidatura em 2018. E eu tenho dito com frequência que, para isso, nós vamos ter que trabalhar a unidade do partido. Não adianta ter um candidato com o estado A ou B dizendo que não apoia. Primeiro, será preciso ter uma unidade absoluta de natureza político eleitoral. Isso talvez exija até uma espécie de verticalização. Ou seja, se você tiver uma decisão nacional de lançar um candidato a presidente, ninguém poderá se opor a essa candidatura.
O sr. pensa no PT como vice?
Isto seria uma coisa extremamente útil para o PMDB (risos).Mas como é uma coisa para o futuro, vamos deixar para falar sobre isso lá na frente.
O sr. convocou uma reunião do Conselho Nacional do PMDB para essa quarta-feira, para discutir a reforma política. Integrantes do partido, como o senador Renan Calheiros, já demonstraram pensar diferente do que pretende o governo.
Quero dar a reforma política, um tema com densidade conceitual, para o PMDB empunhar. Esse tema está na pauta de todos, inclusive do eleitorado. O PMDB precisa ter uma posição em relação a isso. Nada melhor que fazer uma reunião do Conselho, que são as figuras exponenciais do partido, para discutir o tema, abrir o debate. Vamos formalizar um projeto depois de ouvir a sociedade, as universidades, os sindicatos, os vários setores sociais. É algo que estou fazendo não como vice-presidente, mas como presidente do PMDB. A Fundação Ulysses Guimarães deve fazer estudos.
Há questões controversas, como o plebiscito e o financiamento de campanhas...
Na minha opinião, o que é preciso é uma consulta popular. Se ela vier por referendo, ótimo. Há três figuras de consulta popular. Uma é o projeto de lei de iniciativa popular. Eu mesmo, em duas ocasiões, aproveitei dois projetos de iniciativa popular: um sobre corrupção e a Lei da Ficha Limpa. A OAB e a CNBB estão coletando assinaturas para um projeto de iniciativa popular. Chegando ao Congresso, é a casa quem vai formatar. Acho útil que depois dessa formatação haja uma consulta popular para validar em definitivo aquilo que for feito no Congresso.
Sobre o financiamento das campanhas, qual sua posição?
Acho um tema tormentoso. Como houve muita queixa e muita acusação em função do financiamento empresarial, eu começo a achar interessante. Eu faria uma distinção. Pessoalmente acho que seria salutar para a classe política que não houvesse financiamento empresarial. Essa é uma opinião personalíssima. Não posso falar pelo partido por enquanto. O partido falará quando houver essa decisão final do Conselho Nacional.
Há quem diga que, sem pressão de fora, mobilização social, a reforma política não sai, porque o parlamento tende a manter as regras atuais. O sr. concorda?
O passado histórico das reformas políticas revela isso. Eu mesmo tentei levar a reforma política. Ela vai até certo ponto, depois não é concluída. Mas todo fato real que é convertido em fato jurídico depende de certa maturação. Houve, ao longo do tempo, um amadurecimento grande e hoje as pessoas se conscientizaram da necessidade de fazer a reforma política. Hoje, o parlamento está habilitado a promover uma reforma política, até instado por essa queixa popular e pela queixados próprios parlamentares que se cansaram do sistema atual.
O governo atual recebeu críticas de que ideologizou alguns temas. A escolha de alguém do mercado para o Ministério da Fazenda e o cancelamento da viagem de Dilma aos EUA podem sinalizar o direcionamento para um governo mais liberal?
A presidenta já deu todos os indicativos de que governará para todos. Como, aliás, sem embargo daquelas afirmações ou acusações, governou para todos no mandato atual. Se analisarmos a história da ascensão social, isso fica claro. Somente o nosso governo tirou 22 milhões da pobreza e levou para a classe média. Mas se olharem as estatísticas,verão que muita gente da classe C passou para a B, e muita gente da B passou para a A. Basta verificar o quanto os brasileiros viajam. E não é só a pobreza que está viajando. Tem muita gente viajando para o exterior. Houve uma ascensão social global. Significa que ela governou para todos. Sem nenhuma posição ideológica, a visão do governo é a de melhoria de condições do povo.
E como será em relação à política externa?
O lema da campanha foi "governo novo, ideias novas". A presidenta estará muito atenta a esses fatos. A conversa que ela teve com Barack Obama (presidente dos EUA) mostra isso. Não se trata de um fator ideológico. Trata-se de um fato concreto que foi a invasão da privacidade do governo brasileiro. Não tem nada de ideologia. Joe Binden (vice-presidente dos Estados Unidos) esteve aqui várias vezes. Tornou-se, inclusive, meu amigo. Ele é professor de Direito Constitucional e nós criamos uma relação muito sólida, quase pessoal. Não foi o fator ideológico que revelou um possível afastamento dos EUA. Tanto que continua sendo nosso segundo parceiro comercial. A China é o primeiro.
E em relação ao mercado?
O governo fez uma administração para o mercado. Quando se vê que 56 setores da produção foram desonerados, quando se verifica que a folha de pagamento foi desonerada, e a ampliação do Supersimples, isso tudo demonstra um governo para o mercado. Agora, há novas exigências e nós estamos atentos a elas. Vamos ouvir o empresariado cada vez mais. Nunca se fez tantas concessões como no governo atual, atendendo ao princípio constitucional que prestigia a iniciativa privada, a propriedade. A presidenta continuará fazendo isso.
E em relação ao mercado financeiro?
Não há restrição ao mercado financeiro ou aos bancos privados. Houve aquela discussão sobre as funções de bancos públicos e privados. Aí a presidenta tem razão quando diz que os grandes projetos sociais têm amparo dos bancos públicos, e tem que ser assim. O banco público não existe para dar lucro, mas para dar amparo à sociedade.
Saiu-se muito bem. Além dos sete governos estaduais que ganhou, mesmo onde não ganhou o partido teve um desempenho bastante expressivo, porque as diferenças foram pequenas com aquele que venceu a eleição. Na Câmara, fizemos a segunda bancada, bem próxima da primeira (do PT). No Senado, já somos a primeira bancada. Temos o maior número de prefeitos, o maior número de vereadores e de deputados estaduais. Além disso, ganhamos a vice-presidência da República. O PMDB, como força política, saiu muito fortalecido das urnas. O balanço das eleições é muito favorável.
Qual foi o peso do PMDB na eleição da presidenta Dilma?
Foi mais que do que razoável. Eu próprio viajei como nunca pelo país. Nem fiz o cálculo da quilometragem. Viajei pelos estados, fui a São Paulo, três vezes ao Rio Grande do Sul, três vezes ao Rio, fui a Santa Catarina, Paraná. Reunimos prefeitos, vereadores.
Esse fortalecimento se traduzirá em mais ministérios?
Essa é uma decisão da presidenta. Os ministérios são um tema que a presidenta ainda não mencionou. Acho que o PMDB vai ter uma inserção maior na formulação das políticas públicas do governo. Mas essa é uma decisão da presidenta, e não um fundamento na relação PMDB-PT.
Um dia após a vitória, o sr. se encontrou com a presidenta. Ela deu sinais de que haverá essa atuação mais direta do PMDB no governo?
Dilma foi muito delicada comigo e disse que temos que nos falar quase diariamente. Ela tem sido muito correta e gentil comigo. No discurso da vitória, fez elogios até exagerados. Tenho a sensação de que todos nós do PMDB teremos uma presença muito significativa. Ela tem demonstrado exatamente isso.
Os ministérios do PMDB serão mantidos, ou haverá novas pastas?
Vai depender das conversas que ela venha a ter e do que ela desejar quando convocar o PMDB para tratar do assunto.
O PT teria menos ministérios para ceder lugar ao PMDB?
Isso é especulação, não há nada concreto.
Mas o sr. concorda que,ao contrário do PMDB, o PT se enfraqueceu e por isso pode perder ministérios?
A composição do governo é técnico-política. É preciso somar esses dois fatores para verificar qual é a adequação de cada partido no governo. A presidenta saberá fazer isso com toda certeza.
A diferença de votos pequena no segundo turno compromete o capital político do governo?
Primeiro, a diferença não foi tão pequena. Foram quase 4 milhões de votos de diferença. Fala-se muito em divisão no país, mas o que houve foi uma saudável e democrática divisão eleitoral. Numa democracia não se pode levar esta tese da divisão eleitoral para uma divisão do país. Isto não é útil para o país, nem para a democracia. A democracia é isso: se você ganhou por 3 votos, ganhou por 3 votos. Se você ganhou por 4 milhões de votos, ganhou por 4 milhões de votos. É inadequada essa história de dizer que houve divisão do país.
Mas o resultado demonstra um certo descontentamento com o governo, o sr. não acha?
Pode ter havido uma parte descontente, e outra parte que achou que o outro candidato era melhor, ou que o outro candidato poderia cumprir melhor as tarefas governamentais. São as duas coisas. Ainda que o governo muitas vezes esteja indo bem, o eleitor pode olhar a outra candidatura e avaliar que ela pode cumprir melhor as tarefas governamentais. É assim que o eleitor vê, especialmente agora que não existe mais o voto de liderança. Em um passado remoto,quando um líder político indicava um voto, os outros acompanhavam. Hoje não, percebe-seque, pela televisão, pelas redes sociais, o eleitor examina em quem ele vai votar. Acho isto uma coisa saudável. Acho muito útil a tese de "um homem, um voto". Cada eleitor decidir o seu voto é uma evolução.
São Paulo, um estado muito rico, votou em Aécio. O resultado refletiu as políticas distributivas deste governo, ou seja, para onde foram mais recursos — os programas sociais—o voto também foi?
Há dois fatores aí. Primeiro, um dado curioso: Dilma teve mais votos no Sul e no Sudeste (26 milhões) que no Norte e no Nordeste (24 milhões). O segundo ponto é que, no caso de São Paulo, havia a figura do governador Geraldo Alckmin, que foi eleito logo no primeiro turno com uma margem bastante significativa. Isso funciona também na cabeça do eleitor. Isso influenciou bastante o eleitor de São Paulo. Foi mais isso do que o fator distributivo, até porque, na verdade, o governo fez muito pelo Nordeste, mas fez muito por todo o país. Indo a São Paulo, é possível verificar o que foi feito pelos municípios paulistas.
Então, não há a divisão entre pobres e ricos...
Não, absolutamente. Devemos repudiar essa tese. O que houve foi uma divisão eleitoral. Conheço muita gente bem posta economicamente que votou na gente.
A oposição, e até o PMDB, usa o argumento do país dividido para definir o novo presidente da Câmara. Como o sr. vê isso?
Vejo a oposição com bons olhos. Quem tem sentimento democrático, vê com bons olhos até a oposição. Porque a oposição não deve sê-la só porque perdeu a eleição. A oposição, em um sistema jurídico democrático, visa ajudar a governar. Em primeiro lugar, fazendo as críticas para que quem está na situação examine as críticas e verifique se são pertinentes, ou não. Em segundo lugar, no momento em que o governo age com planos adequados, a oposição tem que aplaudir. Este é o sentido jurídico da oposição. São duas coisas distintas: uma é o momento eleitoral em que há a contenda para se chegar ao poder. Outro é o momento político administrativo, em que todos se unem para o bem do país.
Então, o sr. acha legítima a tese de que a oposição comande a Câmara?
Em primeiro lugar, hoje estou no Executivo, e essa é uma decisão da Câmara e do Senado. O segundo ponto é que, na decisão deles, vai cumprir-se o critério da proporcionalidade. O que acontece sempre é que o maior partido indica o presidente. No passado fizemos o acordo do revezamento entre o PT e o PMDB, assegurávamos para o PMDB uma posição em um dos biênios. Esse critério no passado deu certo. Não sei qual é a realidade hoje. Quem vai decidir essa matéria são os deputados. Pessoalmente, acho que se houvesse um grande acordo pelo critério da proporcionalidade, a manutenção do revezamento seria útil para a Câmara, o Congresso e o país.
Tanto pelo critério da proporcionalidade, quanto pelo revezamento, seria o PT a ocupar primeiro o cargo, já que o deste biênio foi o PMDB...
E ainda há a possibilidade de haver a formação de bloco. Daí, cumpre-se o desígnio constitucional da proporcionalidade, o maior bloco tem a primazia. Acho que um acordo de composição entre os biênios na Câmara é sempre útil.
O líder do seu partido da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), conhecido pela atuação independente, está se colocando como candidato. Se assumir a Presidência da Câmara, não será um problema para a presidenta?
Ele não será problema porque acima dele, de mim e dos partidos está a Constituição Federal, que diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Independência não significa colocar um Poder contra o outro. O que a Constituição estabeleceu é que existe um único poder no país, que é o poder do povo. Depois, criam-se órgãos para exercer esse poder. Haverá questões administrativas e políticas, mas estamos aqui para dialogar. O diálogo do Executivo é importantíssimo e deve imperar. Seja quem for eleito presidente da Câmara, não acho que vá haver trauma institucional.
Mas o sr. considera Eduardo Cunha um bom nome?
Não quero entrar em considerações sobre nomes. Não quero que digam que o vice-presidente é por esse ou aquele.
Mas será ruim para Dilma? Nos últimos anos Eduardo Cunha vem causando problemas para o governo nas discussões da Câmara.
O governo não perdeu nenhuma votação, salvo um embaraço que houve na discussão do Código Florestal, mas que depois houve uma harmonização.
O governo perdeu na votação dos conselhos de participação popular, na semana passada...
Isto foi logo depois das eleições. Era um tema extremamente polêmico. Eu mesmo reconheço a polemicidade do decreto.
O sr. era contrário?
Digamos que eu achava que deveria ter havido uma conversa prévia com os líderes do Congresso. Como não houve, o Congresso se insurgiu, se sentiu apequenado. Mas essa derrota não é nada grave, não muda a institucionalidade do país.
Não deve ser tomada como uma projeção de como as coisas serão para a frente?
Creio que não. Acabamos de sair das eleições, muita gente veio comtra uma eleitoral. Isso foi colocado um dia depois da votação. Vejo com naturalidade.
E quais vão ser os desafios na próxima legislatura?
A boa relação com o Congresso e com a sociedade. Essa pregação que a presidenta está fazendo é muito útil. Ela quer um governo de inter-relacionamento com todos os setores da sociedade. O tema central da nossa conversa na terça-feira foi exatamente esse, como fazer essa pactuação com os vários setores sociais: com o empresariado, com os sindicatos, com a universidade. Ela quer conversar até com quem foi candidato à Presidência.
O sr. vê nesse discurso da presidenta um mea-culpa?
Não, vejo o fortalecimento da democracia. O primeiro evento de uma democracia é que quem perdeu nas urnas deve continuar agindo politicamente, mas compreendendo que outrem venceu a eleição. Quem ganhou, por sua vez, tem que buscar esse diálogo que ela está procurando.
Essa busca está associada à pequena diferença de votos?
Não. Em qualquer hipótese, haveria essa busca pelo diálogo.
O PMDB será mais fiel ou menos fiel ao governo?
Será tal e qual o governo atual, com divergências internas, mas depois chegando a uma convergência. No passado também foi assim, mas no final conseguimos sempre aprovar tudo. Muitas vezes, como a presidenta sempre fez reunião de líderes de partidos, ela ouvia ponderações que eles faziam e os projetos eram modificados. Quando chegava no Congresso, eram arredondados.
Em relação aos outros partidos, o sr. vê mais dificuldades?
Não. Aumentou o número de partidos no Congresso. Mas, na sua maioria, são partidos que já aprovavam a candidatura (de Dilma).
Em relação ao PSB e ao PTB, o que o sr. espera deles?
O PTB sempre apoiou o governo e tem representantes no governo. A base parlamentar apoiava Dilma, e várias pessoas de expressão do PSB apoiaram a nossa candidatura, como o próprio ex-presidente do partido Roberto Amaral, Luiza Erundina e Lídice da Mata. As primeiras semanas são sempre quentes, mas acho que vai se normalizar.
Candidatos a governador expressivos do PMDB ligados ao governo foram derrotados, como Eduardo Braga e Henrique Eduardo Alves. Pode ser uma sinalização do desgaste da ala pró-governo?
Nesses casos a diferença foi pequena. O eleitorado desses candidatos foi muito significativo. Nenhum deles perdeu por uma margem muito grande.
Tem um projeto que lhe é muito caro, que é a candidatura própria do PMDB em 2018. Eduardo Paes (prefeito do Rio de Janeiro) já estaria se colocando como candidato.
Realmente, há um dado momento em que o PMDB não resiste mais a evitar a candidatura própria. Quando o PMDB não teve candidatura própria, assegurou a governabilidade. Hoje é possível governar porque o PMDB apoia o governo. Se não apoiasse, criaria um problema. Então, o PMDB gerou um benefício para o país, embora não tivesse candidato a presidente da República. Reitero que o fato de não ter a Presidência não significa não ter poder político. Não é sem razão que o PMDB tem as Presidências da Câmara e do Senado, tem a maioria do parlamento, tem governadores. Agora, há um anseio no partido de termos uma candidatura em 2018. E eu tenho dito com frequência que, para isso, nós vamos ter que trabalhar a unidade do partido. Não adianta ter um candidato com o estado A ou B dizendo que não apoia. Primeiro, será preciso ter uma unidade absoluta de natureza político eleitoral. Isso talvez exija até uma espécie de verticalização. Ou seja, se você tiver uma decisão nacional de lançar um candidato a presidente, ninguém poderá se opor a essa candidatura.
O sr. pensa no PT como vice?
Isto seria uma coisa extremamente útil para o PMDB (risos).Mas como é uma coisa para o futuro, vamos deixar para falar sobre isso lá na frente.
O sr. convocou uma reunião do Conselho Nacional do PMDB para essa quarta-feira, para discutir a reforma política. Integrantes do partido, como o senador Renan Calheiros, já demonstraram pensar diferente do que pretende o governo.
Quero dar a reforma política, um tema com densidade conceitual, para o PMDB empunhar. Esse tema está na pauta de todos, inclusive do eleitorado. O PMDB precisa ter uma posição em relação a isso. Nada melhor que fazer uma reunião do Conselho, que são as figuras exponenciais do partido, para discutir o tema, abrir o debate. Vamos formalizar um projeto depois de ouvir a sociedade, as universidades, os sindicatos, os vários setores sociais. É algo que estou fazendo não como vice-presidente, mas como presidente do PMDB. A Fundação Ulysses Guimarães deve fazer estudos.
Há questões controversas, como o plebiscito e o financiamento de campanhas...
Na minha opinião, o que é preciso é uma consulta popular. Se ela vier por referendo, ótimo. Há três figuras de consulta popular. Uma é o projeto de lei de iniciativa popular. Eu mesmo, em duas ocasiões, aproveitei dois projetos de iniciativa popular: um sobre corrupção e a Lei da Ficha Limpa. A OAB e a CNBB estão coletando assinaturas para um projeto de iniciativa popular. Chegando ao Congresso, é a casa quem vai formatar. Acho útil que depois dessa formatação haja uma consulta popular para validar em definitivo aquilo que for feito no Congresso.
Sobre o financiamento das campanhas, qual sua posição?
Acho um tema tormentoso. Como houve muita queixa e muita acusação em função do financiamento empresarial, eu começo a achar interessante. Eu faria uma distinção. Pessoalmente acho que seria salutar para a classe política que não houvesse financiamento empresarial. Essa é uma opinião personalíssima. Não posso falar pelo partido por enquanto. O partido falará quando houver essa decisão final do Conselho Nacional.
Há quem diga que, sem pressão de fora, mobilização social, a reforma política não sai, porque o parlamento tende a manter as regras atuais. O sr. concorda?
O passado histórico das reformas políticas revela isso. Eu mesmo tentei levar a reforma política. Ela vai até certo ponto, depois não é concluída. Mas todo fato real que é convertido em fato jurídico depende de certa maturação. Houve, ao longo do tempo, um amadurecimento grande e hoje as pessoas se conscientizaram da necessidade de fazer a reforma política. Hoje, o parlamento está habilitado a promover uma reforma política, até instado por essa queixa popular e pela queixados próprios parlamentares que se cansaram do sistema atual.
O governo atual recebeu críticas de que ideologizou alguns temas. A escolha de alguém do mercado para o Ministério da Fazenda e o cancelamento da viagem de Dilma aos EUA podem sinalizar o direcionamento para um governo mais liberal?
A presidenta já deu todos os indicativos de que governará para todos. Como, aliás, sem embargo daquelas afirmações ou acusações, governou para todos no mandato atual. Se analisarmos a história da ascensão social, isso fica claro. Somente o nosso governo tirou 22 milhões da pobreza e levou para a classe média. Mas se olharem as estatísticas,verão que muita gente da classe C passou para a B, e muita gente da B passou para a A. Basta verificar o quanto os brasileiros viajam. E não é só a pobreza que está viajando. Tem muita gente viajando para o exterior. Houve uma ascensão social global. Significa que ela governou para todos. Sem nenhuma posição ideológica, a visão do governo é a de melhoria de condições do povo.
E como será em relação à política externa?
O lema da campanha foi "governo novo, ideias novas". A presidenta estará muito atenta a esses fatos. A conversa que ela teve com Barack Obama (presidente dos EUA) mostra isso. Não se trata de um fator ideológico. Trata-se de um fato concreto que foi a invasão da privacidade do governo brasileiro. Não tem nada de ideologia. Joe Binden (vice-presidente dos Estados Unidos) esteve aqui várias vezes. Tornou-se, inclusive, meu amigo. Ele é professor de Direito Constitucional e nós criamos uma relação muito sólida, quase pessoal. Não foi o fator ideológico que revelou um possível afastamento dos EUA. Tanto que continua sendo nosso segundo parceiro comercial. A China é o primeiro.
E em relação ao mercado?
O governo fez uma administração para o mercado. Quando se vê que 56 setores da produção foram desonerados, quando se verifica que a folha de pagamento foi desonerada, e a ampliação do Supersimples, isso tudo demonstra um governo para o mercado. Agora, há novas exigências e nós estamos atentos a elas. Vamos ouvir o empresariado cada vez mais. Nunca se fez tantas concessões como no governo atual, atendendo ao princípio constitucional que prestigia a iniciativa privada, a propriedade. A presidenta continuará fazendo isso.
E em relação ao mercado financeiro?
Não há restrição ao mercado financeiro ou aos bancos privados. Houve aquela discussão sobre as funções de bancos públicos e privados. Aí a presidenta tem razão quando diz que os grandes projetos sociais têm amparo dos bancos públicos, e tem que ser assim. O banco público não existe para dar lucro, mas para dar amparo à sociedade.
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