Num episódio que leva a tensão do Irã com o Ocidente a um novo patamar, uma multidão invadiu ontem a embaixada britânica no centro de Teerã e um outro complexo diplomático no norte da capital. Gritando frases como "morte à Inglaterra", os manifestantes escalaram os muros da embaixada, rasgaram a bandeira britânica, quebraram janelas, queimaram um carro e destruíram documentos, numa retaliação às pesadas sanções adotadas pelo governo britânico devido ao programa nuclear iraniano. Em Londres, o primeiro-ministro David Cameron disse que a invasão era inaceitável e garantiu que a ação terá "graves consequências". Este é o episódio mais grave nas relações entre os dois países em 20 anos, e, embora a mídia local tenha classificado o protesto como popular, há indícios de que ele pode ter sido estimulado ou ao menos tolerado pelas autoridades.
As cenas, que lembraram a invasão da embaixada americana em 1979, deflagraram uma onda de condenações internacionais, do Conselho de Segurança da ONU a países como Estados Unidos e França. Uma reunião da União Europeia foi marcada para hoje e discutirá a expulsão do embaixador britânico, aprovada pelo Parlamento iraniano no domingo. Analistas acreditam que os acontecimentos de ontem devem estimular uma forte resposta europeia. Especula-se que uma das ideias seja a retirada de todos os embaixadores do bloco de Teerã.
"A falha do governo iraniano em defender funcionários e propriedades britânicos foi uma vergonha. O governo deve reconhecer que haverá sérias consequências", disse o premier David Cameron, num comunicado, afirmando que medidas serão anunciadas nos próximos dias.
Deputado e aiatolá podem ter estimulado protestos
Foram pelo menos duas invasões à embaixada, que começaram com um protesto que reuniu mil pessoas e se estendeu das 14h até depois das 20h. Quando a primeira invasão da embaixada parecia controlada no centro de Teerã, cerca de 300 pessoas conseguiram entrar no complexo residencial onde vive o embaixador e outros funcionários, nos Jardins Gholhak, no norte da cidade, trocando a bandeira britânica pela iraniana. Houve informações contraditórias sobre reféns. A agência Fars informou que seis pessoas haviam sido feitas reféns pelos manifestantes e foram liberadas pela polícia, mas o Reino Unido negou que alguém tenha sido feito refém. Segundo o jornal britânico "Guardian", no entanto, seis funcionários locais da embaixada chegaram a ficar temporariamente retidos.
- A embaixada tem que ser tomada - gritou um dos manifestantes, no início dos protestos.
Momentos depois, documentos eram queimados e um dos manifestantes carregava um retrato da rainha Elizabeth II. Com medo, funcionários deixaram o prédio pelos fundos. Em algumas fotos, a polícia parece apenas observar os manifestantes, descritos como estudantes radicais ou mesmo membros da milícia Basij. Quando a polícia interveio, os ânimos já estavam exaltados e foi preciso usar gás lacrimogêneo. O prédio, no entanto, foi invadido uma segunda vez.
Um dia antes das invasões, o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, descreveu o Reino Unido como um ícone da arrogância imperialista ocidental, acusando-o de "humilhar nações". No domingo, o Parlamento votou pela expulsão do embaixador Dominick Chilcott, e um deputado mais exaltado sugeriu que a embaixada britânica poderia sofrer o mesmo destino da americana, em 1979. Como as forças de segurança mantêm forte controle sobre as manifestações, especialistas achavam difícil o protesto ter acontecido sem o consentimento ou a tolerância das autoridades.
- O governo britânico deveria saber que, se insistir em suas posições malignas, o povo iraniano irá socá-lo na boca, exatamente como aconteceu com o covil americano de espiões, antes de ser aprovado pelas autoridades - disse o deputado Mehdi Kuchakzadeh.
A tensão com o Reino Unido não é nova, mas cresceu nos últimos dias, depois de o Reino Unido proibir todas as suas instituições financeiras de negociar com as iranianas, incluindo o Banco Central - medida que deve ter reflexos drásticos nas transações econômicas do país. O próprio presidente Mahmoud Ahmadinejad admitira dias atrás que o Irã enfrenta "a maior ofensiva sobre sua economia". A expulsão do embaixador divide membros do governo.
- Radicais são sempre a favor das crises. Linhas-duras vão usar isso para unir o povo e culpar a crise pela deficiente economia - disse o analista político Hasan Sedghi.
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