quarta-feira, junho 10, 2020

BB omitiu uso de ferramenta de anúncios em sites de fake news

O Banco do Brasil omitiu da Controladoria Geral da União (CGU) a informação de que fazia uso de mídia programática, ferramenta que orienta divulgação de anúncios publicitários e acabou levando à veiculação de publicidade do banco em sites que divulgam notícias falsas. Segundo despacho da CGU de novembro de 2019, o BB informou ao ministério que não utilizava mídia programática. Entretanto, o banco, agora, admite que vinha utilizando esse mecanismo desde maio de 2019. A mídia programática é um mecanismo automatizado de compra de espaço publicitário na internet. Um anunciante contrata uma plataforma digital e estipula o seu público-alvo e o quanto quer gastar em anúncios. A ferramenta, por sua vez, calcula, com base em um algoritmo, quais sites, canais ou aplicativos oferecem a melhor relação custo-benefício. É esse mecanismo que vem sendo apontado como o responsável pela distribuição de anúncios em sites, canais do YouTube e aplicativos de telefone celular que divulgam notícias falsas e conteúdos inadequados.
Em maio, o perfil Sleeping Giants Brasil revelou que o BB anunciava em um site conhecido por divulgar notícias falsas. O banco, finalmente, admitiu usar a ferramenta, mas nove meses antes, negou à CGU que usava essa ferramenta. O BB começou a omitir o uso desse mecanismo em agosto de 2019, quando O GLOBO, por meio da Lei de Acesso a Informação, solicitou, entre outras informações, “acesso a documentos, memorandos, instruções normativas que versem sobre a utilização de mídia programática por esta empresa”. Em primeira e segunda instâncias, o BB negou acesso aos documentos. No dia 19 de setembro, O GLOBO, então, recorreu à CGU. O julgamento pela CGU chegou a ser prorrogado. Em 26 de novembro, finalmente, o órgão liberou o seu parecer. Para instruir o processo, a CGU diz que seus técnicos entraram em contato com o BB para saber se os documentos solicitados pelo GLOBO de fato existiam. No despacho, a CGU diz que procurou o BB e o questionou sobre se usava mídia programática à época. Segundo a documento, o BB negou utilizar o mecanismo. “Também foi questionado ao recorrido (Banco do Brasil) acerca da possibilidade de entregar ao cidadão os documentos solicitados no item 6 do pedido inicial (documentos sobre uso de mídia programática) […] sobre o assunto, (o Banco do Brasil) consignou, ainda que em razão do caráter inovador dessa forma de compra e questões ainda em definição relacionadas a faturamento, comprovação e pagamento, que precisam ser normatizadas pela Secom, o BB ainda não utiliza a mídia programática em seus esforços de comunicação publicitária”, diz trecho do despacho da CGU. O relato feito pela CGU de que o BB disse, em novembro de 2019, não usar mídia programática contrasta com a informação prestada pela sua própria assessoria de imprensa, em junho deste ano. Questionada sobre desde quando utilizava esse mecanismo, o BB informou que usa mídia programática desde maio de 2019. A informação repassada pelo BB à CGU de que não usava esse mecanismo convenceu os técnicos do ministério. Em outro trecho, a CGU diz que a declaração de “não existência” dos documentos feita pelo BB era “revestida de presunção de relativa verdade” e que, por isso, não caberia à CGU fazer qualquer tipo de averiguação para saber se o BB mentia ou não. “A declaração de inexistência é revestida de presunção relativa de veracidade, decorrente do princípio da boa-fé e da fé pública, além de ser consequência direta da presunção de legalidade dos atos administrativos, não cabendo a verificação por parte deste órgão de controle acerca da veracidade da informação concedida, a qual se presume legítima”, afirmou a auditora federal finanças e controle Mileni Fonseca Teodoro, responsável pelo parecer. Em outras palavras, a declaração do banco levou a CGU a rejeitar o pedido de informação sob alegação que ela não existiria. . Hoje, sabe-se, que o BB vinha utilizando a plataforma Google Ads desde maio de 2019 para comprar espaço publicitário na internet. Com base na presunção de “relativa verdade” sobre a inexistência dos documentos, a CGU indeferiu o pedido feito pelo GLOBO e o BB, até hoje, não forneceu os documentos internos sobre a utilização de mídia programática. Os documentos permitiram explicar que parâmetros foram utilizados pela empresa no uso dessa ferramenta. O coordenador de pesquisa do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional no Brasil, Guilherme France, diz que o fornecimento de dados falsos ou incompletos à CGU contraria os princípios da “transparência, probidade e da impessoalidade”. - O fornecimento de informações incorretas, incompletas ou imprecisas constitui conduta ilícita, como prevê a Lei de Acesso a Informação, podendo gerar a responsabilização administrativa e cível do agente público que realiza esta conduta – afirmou France. O coordenador disse ainda que, dependendo do que motivou o agente público a sonegar informações, ele pode até ser responsabilizado criminalmente. O Globo procurou, via assessoria de imprensa, a CGU e o BB. Aos dois, O GLOBO pediu acesso à íntegra das comunicações feitas entre ambos sobre o uso de mídia programática. Nenhum dos dois liberou os documentos. A CGU, até o fechamento desta reportagem, não havia se manifestado. O BB enviou duas notas. Na primeira nota, o BB negou que tenha omitido informações à CGU. Segundo o ele, na resposta enviada à CGU, o banco estava se referindo ao fato de não possuir uma “ferramenta própria” para “aquisição de mídia programática”. “Na resposta à CGU, o Banco do Brasil fez referência ao fato de não possuir ferramenta própria de DSP para a aquisição de mídia programática, situação que persiste até esta data. A resposta não considerou, no entanto, a contratação do serviço de anúncios do Google, pela ferramenta Google Ads, iniciada em maio de 2019”, diz um trecho da nota enviada pelo banco. DSP é o termo usado para designar uma das ferramentas que compõem a mídia programática. No relato feito pela CGU sobre a resposta do BB, no entanto, não há nenhuma menção ao termo. Diante da resposta do BB, O GLOBO pediu, novamente, acesso às comunicações feitas pelo banco e a CGU sobre o assunto e solicitou provas de que o banco se referia à ausência de uma ferramenta própria para mídia programática na resposta enviada à CGU. Em sua segunda nota, o BB disse apenas que não se manifestaria sobre o tema. “O Banco do Brasil não irá fazer novos comentários sobre o assunto”, disse a nota. Esta não é a primeira vez que o BB se nega a fornecer informações sobre o uso de mídia programática. Por duas vezes, O GLOBO tentou obter, via Lei de Acesso a Informação, a lista com os endereços de sites e canais do YouTube nos quais o banco veiculou anúncios. Com aval da CGU e da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), presida pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, o banco negou acesso a esses dados alegando que eles estaria protegidos por sigilo comercial e que a divulgação desses endereços poderia prejudicar sua estratégia de marketing. A publicidade do Banco do Brasil é alvo de investigação no Tribunal de Contas da União (TCU). A investigação foi aberta depois que o perfil Sleeping Giants Brasil revelou que o BB anunciava no site Jornal da Cidade Online, classificado por consultores legislativos como divulgador de notícias falsas. Logo após a revelação, o banco anunciou que retiraria publicidade do site, mas, após manifestações do vereador e filho do presidente Jair Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, o BB voltou atrás. Há uma semana, no entanto, o tribunal determinou a abertura de uma investigação sobre o assunto e a suspensão imediata da veiculação de publicidade da estatal nesse tipo de veículo.

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