A preocupação com a saúde dos cursos d’água que suprem cidades e indústrias é crescente. A pesquisa divulgada no artigo Pharmaceuticals residues and xenobiotics contaminants: Ocurrence, analýtical techniques and sustainable alternatives for wastewater treatment, publicado na revista Science of Total Environment, aborda o problema ponto de vista da poluição e do tratamento da água de forma mais ampla e sustentável, tendo em vista que os métodos adotados hoje não conseguem eliminar vários tipos de compostos químicos, o que faz com que esses poluentes se espalhem ao longo dos ecossistemas e voltem ao ser humano na água potável ou mesmo na alimentação. A saída é investir em tecnologias sustentáveis. O texto é assinado por Milina de Oliveira (Universidade Católica Dom Bosco), Breno Emanuel Farias Frihling (Universidade Católica Dom Bosco), Jannaína Velasques (Ufsb), Fernando Jorge Corrêa Magalhães Filho (Universidade Católica Dom Bosco), Priscila Sabioni Cavalheri (Ufpa) e Ludovico Migliolo (Ufrn).
Rios e córregos são afetados pelo despejo de resíduos do esgoto doméstico e industrial, que hoje contém muitos elementos contaminantes que não são eliminados pelos processos tradicionais de tratamento. Com isso, mesmo com a adoção de filtros físicos, a água que consumimos pode conter moléculas pequenas o bastante para ultrapassar aquelas barreiras, de pesticidas até a cafeína e resíduos dos medicamentos que tomamos a cada dia. O artigo faz uma extensa revisão de pesquisas sobre processos de poluição da água e diferentes tratamentos para água contaminada pela produção industrial e pelo esgoto urbano, com exemplos de estudos e testes de tecnologias ao redor do mundo. Ao reunir informações de vários artigos, os pesquisadores destacam que a combinação de etapas adicionais aos processos já existentes podem remover a maior parte de poluentes. A proposta feita no texto é a da combinação de wetlands construídos (wetlands são áreas alagadas projetadas para fitorremediação de resíduos persistentes) com tecnologias de oxidação avançada, de modo a aumentar a eficácia na retirada dos poluentes da água, com essas novas etapas compondo o final do percurso de tratamento nas estações. Enquanto as indústrias química e farmacêutica são grandes geradores desse tipo de poluição, instituições de ensino, de pesquisa e hospitais, por exemplo, são pequenos geradores e os consumidores são os micro geradores. Todas essas atividades pressionam os sistemas de tratamento, que não estão, em geral, equipados para eliminar ou retirar compostos químicos da água. Os resultados na saúde do ser humano e dos ecossistemas são bem documentados: aparecimento de distúrbios hormonais, queda da fertilidade humana e intoxicações. A professora Jannaina Velasques, que leciona e pesquisa no Centro de Formação em Ciências Agroflorestais do Campus Jorge Amado, descreve o estudo em entrevista para a Ufsb Ciência. O artigo focaliza o tratamento da água ao sugerir a inclusão de mais etapas, com a inclusão de áreas alagadas nas estações de tratamento e de processo de oxidação avançada para aqueles contaminantes que a massa vegetal não consegue reter ou eliminar. Que motivos podemos considerar para essa situação de insuficiência no tratamento da água? Jannaína Velasques: Nem todos os obstáculos/filtros físicos são suficientes para tratamento, sobretudo quando consideramos moléculas de maior persistência ambiental, como é o caso de muitos agroquímicos utilizados nas décadas de 70/80. Muitas dessas moléculas são também denominadas como xenobióticas (xeno- estranhas a organismos vivos ou sistemas biológicos) e são dificilmente metabolizadas, persistindo no meio ambiente por décadas. Vou citar alguns exemplos clássicos que também são apresentados no artigo. O primeiro: os compostos organoclorados, muito utilizados para o controle de pragas agrícolas após a segunda guerra mundial. Eles eram realmente eficientes em sua proposta de combate às pragas, e demorou décadas até conseguirmos perceber os impactos de sua utilização. Para se ter uma idéia, no Brasil, sua comercialização para uso agrícola foi proibida, pela primeira vez, na década de 80 por uma portaria do Ministério da Agricultura, mas de lá pra cá muitas flexibilizações ajudaram na reintrodução de algumas fórmulas, fora fatores como importação indevida, ocultação de embalagens em propriedades, enfim. 40 anos depois ainda é comum encontrarmos relatos de solos e água contaminados, de sua detecção no leite materno, na gema do ovo e em tecidos adiposos uma vez que esses compostos são lipossolúveis. Muitos desses compostos, em particular, além de persistentes no meio ambiente, ainda são classificados como mutagênicos (causam mutações genéticas), teratogênicos (provocam doenças) e cancerígenos. Não é tão comum encontrá-los em fluxos d’água, mas o ideal é pensar em soluções mitigatórias antes que acidentes de contaminação ocorram. Talvez muitos não lembrem, mas um dos acidentes mais marcantes ocorreu em 2008, quando 8 mil litros de endossufam vazaram para o Rio Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro. A contaminação provocada percorreu praticamente 400km de distância a partir do ponto de vazamento. Então, imagine a quantidade de organismos contaminados que foram ingeridos após isso, vamos pensar em termos de cadeia trófica [alimentar] e bioacumulação [a acumulação de compostos químicos ao longo de uma cadeia alimentar]: quantas etapas percorridas até chegar ao consumidor final que pode ser eu ou você. Acidentes como esse podem ocorrer a qualquer momento e nós precisamos nos antecipar a partir da projeção de possíveis soluções. Outro contaminante muito comum: é cada vez mais crescente o número de artigos publicados trabalhando com detecção de hormônios de contraceptivos, progesteronas sintéticos, na água de superfície e pasme, esses artigos vem de países que são tidos como modelos de eficiência no tratamento de águas residuais. Até muito pouco tempo, ninguém jamais tinha pensado que, ao dar descarga após urinar se está liberando toda a carga hormonal ingerida como contraceptivo. E daí vem a pergunta: como barrar moléculas tão pequenas no nosso sistema convencional? E não para nos hormônios, tem vários trabalhos com ibuprofeno, com ibuprofeno, com dipirona, com antibióticos… até com seu cafezinho matinal, se você resolver descartar na pia. Aliás, quero abrir um parênteses: eu falei tanto de compostos sintéticos aqui, mas muitos compostos naturais são altamente poluentes, sabia? Pensar que utilizando um ‘inseticida’ natural, um óleo essencial, soluciona o problema de poluentes é um ledo engano. A sobrecarga de um hidrocarboneto natural pode ser tão desastrosa quanto a de um sintético. O que precisamos emergencialmente, além de consciência ambiental claro, é em soluções tecnológicas para tratamento desses resíduos e, em alguns casos, os wetlands construídos vêm demonstrando grande eficiência. Na composição dessas áreas com massa vegetal, que espécies são mais úteis? Jannaína Velasques: Geralmente, quando planejamos o sistema, são previstos tanques para diferentes etapas de biorremediação. Então, p.ex., agora temos um projeto onde estamos testando a Luffa aegyptiaca como filtro biológico, integrado a um sistema com microalgas e bactérias decompositoras de hidrocarbonetos que finaliza em tanques de evapotranspiração composto por Heliconia spp. Mas as espécies mais utilizadas, certamente são Typha spp., Eichhornia spp. e Cyperus spp. Mas é importante ter em mente que cada sistema exige uma espécie diferente em função do resíduo a ser trabalhado. Essas combinações de tecnologias já estão viáveis para aplicação? Que fatores devem ser considerados para o investimento nessa proposta? Jannaína Velasques: Certamente, os sistemas de wetlands construídos e biorremediação já foram bastante explorados na literatura científica e já são empregadas pela indústria para o tratamento de uma grande diversidade de efluentes poluentes. Mas vou citar aqui um dos maiores exemplos mundiais, na verdade um dos maiores projetos construídos e bem sucedidos: uma planta de tratamento de água de Nimr, localizada no sul de Mascate, Omã. O projeto foi co-executado com a Bauer Environment and Petroleum Development Oman em 2010 e ainda está em expansão, uma vez que o campo petrolífero demanda 250.000 m³ no meio do deserto para manter sua produção. Com regulamentos ambientais rigorosos, altos custos de energia e o interesse em diminuir a pegada de carbono e hídrica, eles optaram pela tecnologia de WC, gerando um verdadeiro oásis no meio do deserto, com água tratada, maior biodiversidade e com uma considerável remoção de poluentes provenientes de atividade petrolíferas associadas aos óleos, hidrocarbonetos e (micro)poluentes emergentes diversos. Aliás, inspirados nesse projeto nós submetemos uma proposta à PROPPG para implantação de um protótipo que pretendemos iniciar assim que a pandemia der uma trégua. Vamos testar diferentes sistemas interligados para tratamento de hidrocarbonetos.
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