terça-feira, julho 19, 2011

Propina em Cartórios Baianos

O velho e famoso jeitinho brasileiro de tirar proveito de toda e qualquer situação está revoltando quem precisa realizar serviços nos cartórios baianos. Em alguns deles, como constatou ontem a reportagem da Tribuna, existe um verdadeiro esquema para “facilitar” a vida dos que não tem tempo para aguardar uma média de três horas por um simples serviço, como costuma ser.
A equipe de reportagem então resolveu demonstrar estar descontente com a quantidade de pessoas que aguardavam atendimento, no 11º Ofício de Notas, na Boca do Rio, como um cidadão comum que necessita do serviço. Logo uma proposta foi oferecida: “Se você quiser, dê cá 50 conto que eu resolvo. Vai reconhecer firma, é?”, indagou o senhor, de uns 50 anos de idade ou mais. Antes que a resposta fosse dada, ele continuou: “Rapaz, tem jeito não! Se quiser andar rápido, é assim que funciona”.
Era pouco mais das 10 horas da manhã e as senhas distribuídas naquele momento estavam na casa de mais de 140. As cadeiras disponíveis dentro do cartório eram insuficientes para o montante de pessoas que aguardavam atendimento, algumas das quais permaneciam em pé e do lado de fora, ou até mesmo sentadas nas escadarias do Multishop, prédio em que funciona o 11º Ofício de Notas.
“É uma falta de respeito. Até agora não fui atendido. Por isso, sou a favor da privatização desses cartórios”, desabafou o aeroportuário Emmanuel Duarte Sales, 51 anos, que havia chegado ao local antes das 7 horas e portava a senha de número 28. “Prefiro aguardar aqui a dar dinheiro a alguém que facilite a minha vida lá dentro. Mas é assim, infelizmente, que muitas vezes acontece, recorre-se ao que é errado”, continuou.
Ao se infiltrar nos bastidores do “esquema”, demonstrando interesse pela ajudinha oferecida por aquele senhor, a reportagem descobriu que existe uma tabela de preços praticada do lado de fora para cada tipo de serviço. Por exemplo: enquanto para obter sinal público e reconhecimento de firma no cartório se paga R$ 1,30, do lado de fora é cobrado R$ 50, por um único serviço. Há pacotes, inclusive, "promocionais": dois serviços saem por R$ 70.
Quem não se deixa seduzir pelo esquema, precisa mesmo é até fazer sacrifícios para ser atendido. É o que fez o casal Isabela e Anderson Leite, de 30 e 31 anos, respectivamente. “Estivemos aqui na quinta e sexta-feira da semana passada e não conseguimos reconhecer firma. Chegamos hoje às 8h30 e torcemos para que, dessa vez, dê certo”, comentou o analista de sistemas, exibindo em mãos a senha de número 70.
Procurado pela Tribuna, o tabelião titular do 11º Ofício de Notas, Raymundo Alberto Gomes da Costa, não estava no local. Segundo funcionários, somente ele poderia conversar com a reportagem.

Projeto de privatização

Na avaliação do deputado estadual Jean Fabrício Falcão (PCdoB) está havendo um verdadeiro sucateamento da Justiça baiana
. “Os cartórios são verdadeiros locais de negociata e o povo fica à míngua quando precisa realizar serviços”, disparou o parlamentar, que embarcou ontem para São Paulo, onde participa, até a próxima quinta-feira, 21, de visita a cartórios privados da região e de audiência com o representante do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo, Cláudio Marçal Freitas e o corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Maurício da Costa Carvalho Vidigal. “Vamos trabalhar para que o projeto de privatização dos cartórios baianos seja votado em agosto”, disse o parlamentar.
Segundo o diretor de comunicação do Sindicato dos Servidores Judiciários (Sinpojud), Zenildo Castro, a situação é ainda pior no interior do Estado. “Há cartórios que ainda usam máquinas de escrever em vez de computadores.
Também há cidades que ainda usam fichários e a busca é feita manualmente”, descreveu. “Por isso, chamamos a atenção da sociedade, para que nesse processo de privatização os servidores não sejam ainda mais prejudicados do que já foram, durante mais de 20 anos de sucateamento destes cartórios que são estatizados”.
O projeto de privatização dos cartórios baianos tramita na Assembleia Legislativa desde 2009. A Bahia mantém-se como único estado a operar essa atividade via poder público. O ponto polêmico do projeto está em seu caráter híbrido, proposto pelo Tribunal de Justiça da Bahia, que significa a privatização parcial. Dos 1549 cartórios, apenas 614, que foram declarados vagos pelo Conselho Nacional de Justiça, seriam privatizados.
Para o deputado Jean Fabrício Falcão, o modelo ideal de privatização deveria contemplar a criação de uma comissão tripartite – englobando membros do governo baiano, da Assembleia Legislativa do Estado e do Ministério Público da Bahia – para acompanhar o funcionamento dos cartórios.  Além disso, deveria incluir a realização de concurso público para efetivação de funcionários e a criação do “fundo de compensação”, através do qual o cartório com mais renda passaria a suprir as deficiências dos menores, compensando as desigualdades entre as serventias das grandes com as pequenas cidades. Informações Tribuna da Bahia.
Antes da privatização precisamos de transparência nas verbas que hoje são destinadas a estes serviços: quanto é a verba disponibilizada? Quem administra? Quem fiscaliza?

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