Apesar de o PT haver tentado ressuscitar a proposta do controle do conteúdo dos meios de comunicação, a disposição da presidente Dilma Rousseff é de deixar o assunto como está, ou seja, enterrado. As instruções dadas ao ministro Paulo Bernardo são para continuar promovendo análises e debates, sem prazo, a respeito do texto preparado nos últimos dias do mandato do presidente Lula. Não se sabe exatamente quem analisa, muito menos quem debate. Provavelmente algum estagiário daqueles que todos os anos prestam serviço burocrático no ministério das Comunicações, relacionando o número de pedidos de novas concessões de emissoras de rádio. Em suma, se os companheiros quiserem levar adiante restrições ao exercício da mídia, que apresentem o seu projeto no Congresso e convençam os demais partidos da base oficial a vota-lo, talvez nos próximos vinte anos. O governo não botará a mão em mais esse vespeiro.
Agora, essa atitude de cautela não afasta a necessidade de ser preenchido o vazio deixado pelo Supremo Tribunal Federal, há dois anos e meio, quando considerou revogada a antiga Lei de Imprensa. A pretexto de reafirmar a nulidade de certos artigos já obviamente nulos depois da Constituição de 1988, a mais alta corte nacional de Justiça enxugou gelo. Como consequência, extinguiu uma série de preceitos imprescindíveis ao bom funcionamento dos meios de comunicação em sociedade. A retratação, por exemplo. O direito de resposta, também. O tratamento especial dado aos crimes contra a honra praticados através da imprensa. O incitamento ao pânico. A gradação de segredos de estado proibidos de ser divulgados. A proteção à imagem de presidentes da República, da Câmara, do Senado e do próprio STF. E muita coisa a mais, hoje sem lei capaz de defender o cidadão e a família.
Desde a decisão de nossos Meretíssimos, sempre que um abuso ou um crime são cometidos através da mídia, cabe a cada juiz singular, de primeira instância, interpretar a Constituição como quiser. Subindo as sentenças aos tribunais, aumenta a diversidade de soluções dadas. Melhor dizendo, a confusão se multiplica.
Devemos ou não dispor de uma Lei de Imprensa? Há ditaduras que não tem, assim como democracias que tem. Nossa tradição histórica é pela sua existência, mesmo notando-se que desde os tempo coloniais umas preceituaram a censura, outras, a liberdade.
O silêncio do Congresso em enfrentar a questão nem de longe significa a opção pela ausência de uma Lei de Imprensa. Revela apenas perplexidade. Ou covardia, porque sempre haverá interesses contrariados e veículos de comunicação a bajular. Caso, porém, a inação parlamentar exprima nossa adesão à corrente contrária à existência da Lei de Imprensa, nem por isso deveriam deputados e senadores continuar de braços cruzados. Precisariam então acrescentar certos dispositivos ao Código Penal, dentro do princípio de que um crime praticado através da imprensa difere em muito daquele praticado no botequim. Porque se em torno de um copo de chope eu chamo um ministro de ladrão, e ele não é ladrão, estou cometendo uma calúnia, passível de pena. Mas apenas meus companheiros de mesa tomaram conhecimento dela. No reverso da medalha, se um ministro vê-se chamado de ladrão – e não é - pela televisão, rádio ou jornal, multiplica-se por mil o efeito do crime. Milhares ou milhões de pessoas podem acreditar. Assim, mesmo no Código Penal, é preciso aumentar de muito a pena da calúnia feita através dos órgãos de comunicação. Esse era o espírito da Lei de Imprensa hoje revogada.
A discussão surge fascinante, a respeito da necessidade ou não de leis especiais. Argumentam os que se opõem, preferindo ficar apenas com o Código Penal, inexistir uma legislação específica para os médicos, mesmo para o que esquece a tesoura na barriga do doente. Nem para os engenheiros: se algum construiu a ponte com areia ruim, ela caiu e matou quem passava em cima ou em baixo, Código Penal nele. E o padeiro, que em vez de farinha, botou formicida no pão? Por que, então, lei especial para os jornalistas? A discussão chegará ao infinito, com a tréplica de que, afinal, através da imprensa os efeitos do crime ou do abuso serão muito maiores.
Para concluir: o que não dá é a indefinição. Ou o Congresso prepara uma nova Lei de Imprensa ou vota mudanças imediatas no Código Penal. Nos dois casos, em momento algum se tratará do controle do conteúdo das informações, mantido o princípio democrático de que punição para crimes ou abusos, só depois deles praticados. Antes, como quer o PT, é censura... (Carlos Chagas)
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