sábado, novembro 12, 2011

Coma, beba, compre, trabalhe, fale, gaste pouco e viva muito!

Hoje não mais conversamos ao telefone, nós falamos à vontade em nossos planos “ilimitados”. Não entramos na internet, acessamos a rede em segundos, de onde quisermos, na hora que desejarmos. Não nos encontramos com os amigos, nós os adicionamos, os curtimos e os seguimos 24 horas por dia. Queremos aproveitar nossas experiências até o último minuto e provar de tudo um pouco. Buscamos mais prazer e não podemos perder nada. Os meios para isso estão ao nosso alcance: tudo parece mais fácil, mais rápido, e temos liberdade para escolher. Menos apegados a regras e mais sozinhos nos grandes centros urbanos, cabe somente a nós decidir. Melhor então atender aos nossos instintos do que se arrepender depois daquilo que não fizemos, certo?
Errado. Apesar de instigados o tempo todo a atender a nossas vontades – tento agora não ceder à de abandonar este texto e verificar as atualizações de meus amigos no Facebook –, é nossa força para resistir a elas que nos torna indivíduos mais satisfeitos e capazes. Numa sociedade que exalta a satisfação imediata, pode parecer contraditório, mas o autocontrole é, ao lado da inteligência, o fator mais importante para determinar nosso sucesso no trabalho, nas relações pessoais e na manutenção da saúde. Com a diferença de que a inteligência não pode ser muito alterada ao longo da vida. “Nossa pesquisa mostra que mesmo os adultos podem aprimorar seu autocontrole”, disse a ÉPOCA o psicólogo Roy Baumeister, autor do livro Willpower (Força de vontade), que será lançado no Brasil pela Lafonte no início do ano que vem. “Isso pode ajudar as pessoas a melhorar a própria vida.”
A ideia de que a capacidade de resistir a uma tentação pode influenciar muitos aspectos de nossa vida surgiu no fim dos anos 1960, com o psicólogo Walter Mischel, então pesquisador da Universidade Stanford. Ele decidiu propor um desafio simples a crianças em idade pré-escolar: se elas, sozinhas em uma sala, resistissem por 15 minutos ao impulso de comer um marshmallow, num prato a sua frente, ganhariam um doce extra. Cerca de 30% dos pequenos voluntários conseguiram ir até o fim do teste – e, até aí, nenhuma grande surpresa. Ela veio quando o pesquisador resolveu checar o que havia acontecido com as mesmas crianças quando elas cresceram. Mischel descobriu que quem conseguira esperar pelo segundo marshmallow era mais bem-sucedido em vários aspectos da vida. Intrigada, a comunidade acadêmica decidiu repetir o experimento. Um dos últimos foi feito na Nova Zelândia e publicado no ano passado. Os pesquisadores acompanharam 1.000 pessoas até os 32 anos, medindo seu autocontrole de várias maneiras: aplicando questionários, entrevistando pais e professores e os próprios indivíduos. As crianças capazes de moderar seu comportamento se tornaram adultos mais saudáveis, com menor tendência à obesidade, menos casos de doenças sexualmente transmissíveis e até menos cáries nos dentes. Também tinham menos problema com álcool, drogas e dívidas. E mais chance de criar os filhos ao lado do cônjuge.
Há várias diferenças entre o laboratório e o mundo real. A vida moderna nos oferece muitos marshmallows ao mesmo tempo. “A tentação foi democratizada”, diz Daniel Akst, autor do livro We have met the enemy (Nós conhecemos o inimigo). “O desafio é ter moderação diante da liberdade e da afluência.” Como exemplo dessa democratização, o Brasil já ultrapassou a marca de um telefone celular por habitante. E não é improvável que, daqui para a frente, topemos cada vez mais com pessoas como a assistente de produção Maya Mecozzi, de 24 anos, que fez do aparelho quase uma obsessão, um companheiro inseparável mesmo durante o sono. Muitos de nós já não conseguem desgrudar do celular. Não deixamos de carregá-lo nunca, nem nas férias, numa relação de dependência antes restrita à carteira ou às chaves de casa. Com a telinha sempre por perto – e o contato que ela proporciona com as redes sociais –, corremos o risco de negligenciar nossa vida real em favor da existência virtual.
Nossa luta contra as novas tentações, que se somam às antigas, é ainda mais relevante se considerarmos, como mostram as pesquisas mais recentes, que perdemos nossa capacidade de manter o nível de autocontrole à medida que desempenhamos tarefas cotidianas. É como se tivéssemos uma reserva limitada desse recurso e o gastássemos com o passar do tempo. Em seu laboratório, Baumeister descobriu que outras atividades, além de conter a gula diante de um doce, nos desgastavam. Segurar o choro diante de uma cena triste e tomar decisões como escolher um item diante de muitos tinham o mesmo efeito. Os cientistas ainda não sabem como ou por que isso acontece, mas observam que o desempenho das pessoas cai de uma tarefa para outra. Uma das hipóteses é que lhes falte motivação, um elemento fundamental para o autocontrole. Mas é possível que nosso cérebro não esteja preparado para manter a eficiência em tarefas complexas por tanto tempo e fique “cansado” sem que percebamos. Como o cérebro não é um músculo, que dói com a fadiga, é preciso prestar atenção a sinais mais sutis para detectar esse estágio de esgotamento. O professor Baumeister, da Florida State University, sugere observar a intensidade de nossas emoções. Se ficamos mais tristes do que o normal ao ver algo ruim, ou mais felizes quando vemos algo alegre, talvez seja o momento de parar e tentar recarregar as energias.

Gilberto Kido, 45 anos, corretor de seguros

RAIVA
“De 1990 a 1995, trabalhei como representante comercial e passava o dia todo no trânsito. Era estressante, mas passei a ter mais problemas quando deixei o emprego e fui trabalhar por conta própria. Sem férias nem convívio social, comecei a explodir mais. Só as pessoas muito próximas sabiam do meu problema. Não conseguia conter a raiva no trânsito, e isso também estava prejudicando a relação com minha família. Era só levar uma fechada que, pronto, já xingava o outro motorista. Se ele respondesse, já saía do carro e partia para a briga. Uma vez, acabei com o nariz quebrado e o carro destruído. Acho que a educação oriental, muito rígida, que tive me deixou intolerante a qualquer tipo de erro. E eu queria sair corrigindo. Hoje, depois do tratamento, ainda sinto raiva quando vejo algo que julgo errado, mas estou aprendendo a controlar o tamanho da minha reação.

DICA
Controlar emoções, como a raiva, é difícil, exaustivo e até mesmo indesejável. As pessoas podem se permitir ter o sentimento – mas devem tentar controlar sua reação a ele. Contar até dez respirando pausadamente, como sugere a sabedoria popular, pode ajudar a conter o impulso de reagir de maneira desproporcional. Muitas vezes, é preciso resistir à rapidez comum no mundo moderno para continuar no controle da situação

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