O Jornal do Commercio publica de hoje até quarta-feira a série de reportagens Obstáculos da Mobilidade, uma discussão sobre as principais dificuldades existentes para melhorar o ir e vir da população no Recife, seja de carro, a pé, de ônibus ou bicicleta. Hoje, o olhar recai sobre o automóvel.
A mobilidade nunca esteve tão na moda. É pronunciada por todos e exigida por muitos cada vez mais. Com a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, adquiriu status de prioridade, de urgência. Mas apesar da importância, tem sido mais exercida na teoria do que na prática. De fato, a mobilidade não aconteceu. As cidades estão parando. Até mesmo as pequenas. A imobilidade é alimentada diariamente pelo crescimento da frota de veículos, associada ao uso irracional do automóvel e, principalmente, à limitação do sistema viário. Em Pernambuco, não é diferente. Recife, por exemplo, recebe mais de 50% dos dois milhões de carros registrados atualmente no Estado e 30% dos mil emplacados diariamente, mas ainda espera pela construção de ruas e pontes projetadas há mais de 30 anos.E os carros já não são mais o principal problema da circulação. As motos viraram o novo vilão. Chegaram para ampliar o caos urbano. Surgiram como alternativa de mobilidade, mas hoje representam uma epidemia. Este ano, Pernambuco registrou 33% a mais de emplacamentos de motos do que de automóveis. E o sistema viário não tem acompanhado esse crescimento. Mesmo sendo consenso entre técnicos e estudiosos do trânsito que abrir ruas e construir viadutos não é mais a solução para fazer as cidades andar, é unanimidade também que se precisa concluir o que foi programado no passado. E o Recife está bastante atrasado nesse aspecto.
As mais recentes obras de ampliação do sistema viário da capital têm mais de dois anos. E, mesmo assim, a maioria é composta por intervenções pequenas em extensão. Em 2008, a prefeitura concluiu a implantação de 800 metros da Avenida Beira-Rio, criando uma ligação entre a Madalena e a Torre, na Zona Oeste. Cinco anos antes, fez a chamada Paralela da Caxangá (Avenida Maurício de Nassau), construindo dois quilômetros de via e adaptando-a a um sistema viário existente. Em 2004, veio a Ponte Gregório Bezerra, ligando a Ilha do Retiro à Ilha Joana Bezerra e surgindo como alternativa da Zona Oeste para o Centro. Uma das mais recentes intervenções, em 2009, foi o prolongamento de 700 metros da Rua Arquiteto Luiz Nunes, via paralela à Avenida Mascarenhas de Morais, na Imbiribeira, Zona Sul. Apenas isso.
Essas intervenções, entretanto, totalizam menos de cinco quilômetros de novas vias. A maior de todas, a Via Mangue, corredor expresso da Zona Sul da capital, ainda não virou realidade. Está sendo executada depois de dez anos de promessas. Tem o mérito de tirar das palafitas e favelas quase mil famílias e promete desafogar o trânsito em Boa Viagem. Mas há técnicos que apostam que esse "alívio" será temporário, porque o futuro corredor da Zona Sul terá menos de cinco quilômetros de extensão e atenderá exclusivamente ao carro, sem ter previsão de corredor de transporte público.
"Não defendo a ampliação do sistema viário para o automóvel. Isso é uma concepção atrasada. Quanto mais ruas abrirmos para o carro, mas espaço eles ocuparão. A Região Metropolitana tem dívida histórica com o planejamento. Temos um sistema viário incompleto, à espera de ligações fundamentais. São exemplos a urbanização do restante da Beira-Rio e a complementação das Perimetrais", argumenta César Cavalcanti, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e um dos diretores da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
As ligações citadas pelo especialista poderiam, de fato, facilitar em muito a vida das pessoas no Recife. A construção de duas pontes sobre o Rio Capibaribe seria fundamental para permitir uma ligação direta entre as Zonas Oeste e Norte, desafogando corredores viários saturados. A primeira, ligando Iputinga a Monteiro, e a segunda, ligando a Torre a Santana. Esta última significaria a complementação da 3ª Perimetral e está sendo viabilizada pela prefeitura, mas sem data para sair do papel.
Um acesso rápido entre esses dois bairros, por exemplo, simplificaria a rotina da empresária Maria Cláudia Lima. Moradora da Torre e trabalhando em Monteiro, ela precisa percorrer a Avenida Caxangá ou a Avenida Maurício de Nassau para chegar à BR-101 e, de lá, pegar a Avenida Apipucos até Monteiro. "Enfrento congestionamento sempre. Hoje em dia, são tantos carros que, mesmo indo num sentido oposto ao do Centro do Recife, pego trânsito. A BR-101 é uma caixinha de surpresas. Se optar ir pela Torre e Parnamirim, é ainda pior. Se construíssem essa ponte, seria muito mais rápido", comenta.
Milton Botler, presidente do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira, responsável pelo planejamento da mobilidade da capital, é contra a ampliação do sistema viário focada no automóvel. "Temos, sim, que urbanizar áreas existentes, dando um melhor funcionamento a elas. Mas nada de rodovias e viadutos. O que for feito a mais deve ser apenas para o transporte público. Não precisamos de viadutos cruzando vias, numa concepção ultrapassada dos anos 70 e 80", defende. Ele garante que nos planos do município está prevista a complementação da 2ª e 3ª Perimetrais, mas as duas, quando prontas, terão a participação do transporte público. É esperar para ver.
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