Luz, que é de uma família de cacauicultores, pondera que a região do sul da Bahia, maior produtora nacional da amêndoa, viveu e continua a enfrentar uma situação que ele define como calamitosa. Com a entrada do fungo da vassoura-de-bruxa a partir de 1989, a cultura foi quase que inteiramente “dizimada” e as tentativas de recuperação foram ineficazes. Tudo isso teria gerado uma crise social em uma região cuja economia era e continua a ser muito dependente do cacau, provocando altos índices de violência em municípios onde não há opões à atividade. Para Luz, o valor total da dívida pode até ser considerado baixo para uma cultura que gera um número considerável de empregos. O produtor acredita que falta vontade política, pois um abono linear relevante resolveria a situação, na sua avaliação. “Eu aceitaria pagar 5% da dívida, fazer um acordo e resolver de forma definitiva o problema. Essa seria a solução mais rápida”. A maior parte das dívidas era com o Banco do Nordeste e com o Banco do Brasil, posteriormente repassadas para a União. Existem diversas ações individuais e coletivas pedindo a resolução do problema, e algumas delas já obtiveram liminares favoráveis. “A situação do endividamento tem travado a recuperação da lavoura e é uma das maiores causas de conversão do cacau cabruca (cultivo debaixo das árvores da Mata Atlântica) por pastagens”, alerta Durval Libânio Netto Mello, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Cacau. Ele afirma que de 1990 a 2010 cerca de 90 mil hectares com a cultura foram perdidos, tomando por base números do IBGE. Henrique Almeida, diretor da Biofábrica e integrante do conselho da Associação dos Produtores de Cacau (APC), conta que há três anos o Sindicato Rural de Ilhéus, com apoio da APC, impetrou uma ação contra a União pedindo indenização e suspensão dos pagamentos das parcelas das dívidas no âmbito do Pesa (Programa Especial de Saneamento de Ativos). De acordo com Almeida, algumas comarcas concederam liminares favoráveis aos produtores, mas a Justiça Federal de Ilhéus ainda não julgou a ação – pediu, entretanto, a retirada dos nomes dos produtores das listas de inadimplentes dos cadastros de crédito. Segundo Almeida, os trabalhos fitossanitários recomendados pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) na época, como o rebaixamento de copa do cacaueiro, poda e aplicação de fungicida à base de cobre, não surtiram efeito. Além disso, os produtores reclamam que, diante da incidência do fungo, a responsabilidade de recuperar a cultura seria do governo. Na época, os cacauicultores eram obrigados a seguir as recomendações técnicas da Ceplac para obter crédito. “Paralelamente (às ações), estamos lutando para que se equacione a dívida. O governo avançou, mas resolvemos só 50%”, afirma Almeida. Ele calcula que cerca de 6 mil contratos já foram renegociados, praticamente metade do volume de contratos, mas em valor não chega a 40%. Contudo, os débitos do Pesa não foram incluídos, e isso depende de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). De acordo com Almeida, o Ministério da Agricultura estaria “sensível” em levar a demanda ao Ministério da Fazenda. Mas a assessoria de imprensa do ministério disse que o assunto está sendo discutido no Congresso Nacional. O projeto 3759/2012, do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), propõe a renegociação das dívidas dos cacauicultores contratadas até dezembro de 2011 e abrange também os débitos já renegociados. A proposta é oferecer taxa de 3% ao ano, com prazo de pagamento de 30 anos e carência de até seis anos. O projeto está na Comissão de Agricultura desde o início deste mês e aguarda votação. “É uma solução para os produtores que foram mal orientados com as informações disponíveis na época. Nada mais justo que eles possam renegociar”, diz Mendonça Júnior. Ricardo Alfonsin, advogado especializado em dívida rural, confirma que ao longo dos anos a situação foi se agravando, pois os produtores endividados ficaram impedidos de obter novos créditos e os processos de execução fiscal na Justiça Federal levavam em conta juros muito altos, com Selic de 18% a 20%. Os cacauicultores ainda ficaram de fora dos “benefícios” da lei 11.775 (de 2008) que criava condições mais favoráveis de renegociação da dívida agrícola. “Não deram equiparação com os demais produtores do país, um programa especial não aconteceu”, relata Alfonsin. Ele acrescenta que existem ações com cerca de cinco anos que ainda não tiveram sentença. (Valor Econômico)
sábado, setembro 01, 2012
Após 20 anos dívida do cacau é de quase 1 bi
Mais de 20 anos depois do início da decadência da cacauicultura na Bahia, motivada sobretudo pela ocorrência da doença conhecida como vassoura-de-bruxa, e pelos preços baixos da amêndoa no mercado internacional, muitos produtores ainda tentam renegociar dívidas acumuladas nesse período. Outros pedem a anulação dos passivos e querem ser indenizados pelo governo. O endividamento total é estimado entre R$ 800 milhões e R$ 900 milhões. Milhares de produtores ainda aguardam renegociar os débitos. Há estimativas de que metade do volume de contratos já foi renegociada, pouco mais de seis mil contratos. Entre os que defendem a anulação da dívida e pedem indenização, como o produtor Sérgio Luz, o argumento é um só: “A dívida tem origem injusta”.
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