segunda-feira, agosto 04, 2014

RJ terá 1ª casa do país para grávidas usuárias de crack

A cada três horas, um coral de resmungos quase sincronizado invade os dois quartinhos do Berçário Municipal Ana Carolina, em Ramos. O choro é de fome. Mas alguns dos bebês sentem também dores. A separação precoce da mãe, usuária de crack, provoca reações que, na maioria das vezes, não são perceptíveis num primeiro olhar, nem explicadas de pronto pela literatura médica. Mas que estão ali, somatizadas, impondo intensa sensação de sofrimento no corpo, mesmo que ele seja de um recém-nascido. Ser filho de mãe viciada é correr o risco de nascer com crise de abstinência. Algumas crianças chegam a tremer por quatro dias seguidos após o parto. A maioria é prematura de sete meses e tem problemas respiratórios, por causa da inalação constante da fumaça da droga. Outros sofrem de irritação e sono excessivo. Mas, pelo menos, por ora, todos estão fora das cracolândias — tema da série especial ‘Os guetos do crack’, que O DIA publica desde ontem. No abrigo, estão 20 crianças até 4 anos. Ali tudo foi pensado para parecer uma casa familiar: as paredes brancas, os mobílies coloridos, a música de ninar. O lugar, apesar de ser um alento à tragédia social, é um retrato da proliferação do crack na cidade: 90% dos bebês são filhos de viciadas na droga. Metade acaba adotada por outras famílias. O restante é entregue para tias e avós das mulheres que ainda não conseguiram sair dos guetos pelas ruas. As visitas das mães são permitidas, a não ser em casos muito extremos, quando envolve agressão contra a criança. Mas o ‘aparecer’ delas é sempre imprevisível. Algumas chegam sem tomar banho há dias. Tem aquelas que vivem momentos de lucidez da maternidade, mas depois ficam meses sem vê-los. Teve quem apareceu com um ovo de Páscoa para dar ao seu recém-nascido como prova de afeto e presença. Nas idas e vindas, chega a ser incerto o encontro com o filho.

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