A Rua Direita do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, foi palco de roubo cinematográfico na manhã do último domingo (27). Aproveitando que o local está sendo requalificado, cerca de 20 pessoas sem máscara, vestidas com uniformes de cor azul e com maquinários de grande porte, destruíram 60 metros de extensão de um lado da rua para levar fios de cobre que ali estavam enterrados. A ação durou cerca de quatro horas e danificou a rede de tubulação de água. “Foi tão inacreditável que fica difícil representar num filme. No cinema se tem o jogo da credibilidade. Se você desconfia que aquilo não é crível, você abandona o filme. Um negócio como esse, depois de horas, mesmo já sabendo que não era a equipe de obras, fazia a gente se perguntar: será que foi verdade mesmo?”, questionou o cineasta Cláudio Marques, que teve a rua da frente da sua casa destruída pelo grupo. Cansado pelos quase sete meses de obra que acontecem no local, Cláudio ficou revoltado com a ocorrência, que tirou o sossego dos moradores. “Por volta das 8h30, começou um barulho ensurdecedor. Tinha uma retroescavadeira na janela da minha casa destruindo um local que já tinha sido aberto e fechado várias vezes durante o ano. Os buracos formados tinham cerca de um metro de profundidade. Eu fiquei muito irritado, pois eles estavam mais uma vez atrapalhando o nosso domingo, dia de descanso”, disse. Claudio saiu de casa e foi conversar com a pessoa que se apresentou como o encarregado da obra. Segundo os moradores, era um homem bem vestido, educado e que dizia que aquilo estava acontecendo no domingo para que a obra fosse adiantada e terminasse logo. “Então, eu voltei para casa, descobri que outros moradores estavam indignados também e quando retornei vi que eles estavam contando com a ajuda de guardadores de carro que ficam no Largo do Santo Antônio para puxar fios de cobre do chão escavado”, relatou o cineasta. Houve relatos de brigas entre os guardadores para levarem o material roubado. Foi nesse momento que ficou claro para os moradores que se tratava de uma ação criminosa. Isso chamou a atenção do grupo, que se retirou do local antes da chegada de qualquer autoridade responsável. Para que o roubo fosse feito, os criminosos precisavam que os carros fossem retirados da rua e, para isso, contaram com a ajuda dos próprios moradores. Uma mulher que se identificou apenas como Dona Clara foi uma das pessoas que os ajudaram. “Foi um absurdo e é uma pena que não vai acontecer nada. Eles usaram gente da comunidade para achar motoristas dos carros. Fizeram tudo na nossa frente, fingindo serem os operários. Fiquei chocada quando soube que tudo isso foi para roubar os fios de cobre”, afirmou. Os moradores mais antigos acreditam que esse material pertencia à Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) e que eram restos da última grande obra feita no local, há mais de 20 anos. “É estranho que eles sabiam e vieram no local exato onde estavam o cobre. Até agora não veio polícia nem ninguém para investigar. Como é que esses fios valiosos estavam enterrados aqui há tanto tempo, abandonados? O roubo não começou no domingo. O desrespeito com o dinheiro público é antigo”, desabafou o morador Saul Gomes da Cruz, 60 anos. A Polícia Militar foi procurada, mas não se posicionou até o fechamento dessa reportagem. Já a Embasa informou que tomou conhecimento da ação de vândalos na Rua Direta do Santo Antônio por volta das 14h do domingo (27), após contato de morador feito por canal de atendimento da empresa. Ao chegar ao local, técnicos da empresa avaliaram a situação e iniciaram o conserto de três ramais da rede distribuidora de água, tendo sido necessária a interrupção temporária do fornecimento de água para todo o bairro de Santo Antônio. Os serviços da empresa foram concluídos às 17h, quando o abastecimento começou a ser retomado gradativamente no bairro e, na manhã da segunda, alcançou a sua plena regularização. A Embasa ainda não tem a estimativa do volume de água perdido devido ao incidente. A assessoria de comunicação da Coelba disse que não tem nenhuma informação e nenhuma denuncia sobre roubo de cabos, mas que vai enviar, nessa terça-feira (29), uma equipe de campo para tentar identifcar se os cabos são realmente da empresa. Em nota, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) confirmou o roubo. “A obra foi vandalizada com destruição de 60 metros de extensão da Rua Direita, já pavimentada, por uma retroescavadeira e pessoas de identidades desconhecidas que estavam em busca de cabos elétricos no subterrâneo, destruindo ainda a rede de abastecimento de água no local”, disseram. Por força de contrato, a Conder disse ter requerido à Construtora Pejota, responsável pela obra, que registre queixa para que a polícia tome as providências cabíveis. No entanto, até a tarde dessa segunda-feira, a assessoria de comunicação da Policia Civil não tinha encontrado nenhuma ocorrência sobre o caso. O CORREIO tentou contato com a construtora, que prometeu retornar as ligações, mas não fez. Ainda segundo a Conder, técnicos e operários do órgão trabalharam no local danificado desde o domingo e já entregaram a pavimentação recuperada. Um dos materiais mais rentáveis do mercado de reciclagem, o cobre pode chegar a custar até R$ 17 o quilo, se repassado para cooperativas de catadores em Salvador. Se vendido diretamente para a indústria de reaproveitamento, o lucro aumenta, e o valor do quilo chega a ficar em torno de R$ 25, conforme conta Genival Ribeiro, o Tico, líder da Cooperativa de Coleta Seletiva Cooperguary, no bairro de Periperi. Por causa de situações envolvendo roubos, a Cooperguary diz que não compra cobre e só aceita o material quando é doado por empresas. “Devido a essas histórias, a gente evita ser cúmplice. Então, também não aceitamos coisas como tampas de bueiros, registros de água. O cobre é mesmo o material mais caro, o melhor mas, a nível de experiência, digo que as cooperativas não têm nem dinheiro para comprar em grande volume”, explica. Segundo os moradores do Santo Antônio, havia um caminhão à espera dos fios. No entanto, não há uma informação precisa do peso do material roubado, o que impossibilita que seja estimado o valor perdido. (Correio)
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