Quase nove meses depois, aprovados no concurso público do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), realizado em 23 de julho de 2023, cobram a convocação e denunciam supostos desvios de função com o remanejamento interno do quadro de pessoal para cargos como o de oficial de justiça. O grupo questiona, ainda, os termos assinados entre o TJ-BA e prefeituras para cessão de servidores públicos municipais para atuação nas unidades judiciárias ao invés das devidas nomeações. Em janeiro deste ano, o TJ-BA oficializou a nomeação de 72 aprovados no concurso público do Edital n. 01/2023 para provimento de 277 vagas na capital e interior do Estado. “Os aprovados estão desesperançosos com essa situação, sobretudo porque o TJ homologou o concurso dia 25 de janeiro e fez uma primeira leva de nomeações já no dia 26 de janeiro, mas depois não sinalizou mais nada sobre novas nomeações. Sabe-se que o déficit de servidores é enorme no TJ, o que certamente, tem contribuído para a morosidade do poder judiciário”, diz um dos aprovados no concurso que preferiu não se identificar por medo de represálias. Entre os casos relatados está o do servidor Paulo Cézar Reis Leite, que conforme portal da Transparência do TJ-BA é motorista da Corte desde 2000, especificamente na comarca de Cachoeira. Ele também tem atuação política desde 2002 e atualmente é vereador na cidade do Recôncavo baiano, conhecido como Paulinho Leite (PSB). No entanto, em razão da vacância do cargo, Leite foi designado para exercer a função de oficial de justiça avaliador do TJ-BA em Cachoeira. Em 2024, a permanência do servidor no cargo foi renovada por mais um ano, a contar a partir de 1º de janeiro de 2024. “Ressalta-se que o servidor revela possuir ampla experiência no múnus de Oficial de Justiça, conforme se verifica na sua Certidão e Mapa de Termo de Serviço, fator primordial para exercício do cargo pretendido, a fim de homenagear o Princípio da Eficiência”, diz processo administrativo publicado pela Corregedoria das Comarcas do Interior no Diário de Justiça Eletrônico do dia 15 de março. Apesar do estranhamento quanto ao acúmulo de cargos, a Constituição Federal, em seu artigo 38, autoriza ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, “investido no mandato de vereador, havendo compatibilidade de horários”, receber “as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo”. Quanto às qualificações para a função de oficial de justiça avaliador, aprovados no concurso questionam o fato do vereador Paulinho Leite possuir apenas o ensino médio incompleto. No edital do concurso realizado em 2023, o TJ-BA exigia diploma de curso superior em Direito, devidamente registrado, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) para este mesmo cargo. Outros remanejamentos também têm sido feitos para o posto de oficial de justiça avaliador, com a designação de servidores que atuam como digitador, escrevente de cartório, subescrivão, administrador de fórum, técnico de nível médio, oficial de registros públicos, e agente de arrecadação judiciária, por exemplo. “Eu queria entender como é que um motorista tem conhecimento do que é cumprir mandado, quem trabalha interno tem experiência do que é cumprir mandado?”, questiona o presidente da da Associação dos Oficiais de Justiça da Bahia (Aojus), Itailson Farias. Ao Bahia Notícias, Farias destaca que, desde 2006, o TJ-BA não fazia concurso para o cargo e o pedido da categoria foi atendido durante a gestão do desembargador Nilson Soares Castelo Branco. “Só que, por conta das cotas [raciais], o questionamento foi parar no CNJ e suspendeu as nomeações do concurso. E agora a gente é surpreendido por essas nomeações, tendo aprovados em concurso e o tribunal botando gente que não tem nada a ver, e prejudicando a população porque pegam pessoas sem experiência nenhuma, sem conhecimento nenhum para cumprir um mandado em uma coisa que é de extrema importância para os envolvidos no processo”, critica. Conforme Farias, a Aojus vem tentando diálogo com a atual presidente do TJ-BA, desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, mas até o momento não houve retorno. O edital do concurso previa 15 vagas para analista judiciário - oficial de justiça avaliador. Número apontado como inferior ao necessário, segundo a associação, já que, em 2022, a Aojus indicou ao TJ-BA, em processo administrativo, que 252 oficiais de justiça estavam aptos à aposentadoria naquele ano. Em outro processo administrativo, em março de 2022, a Aojus traçou um diagnóstico da função no TJ-BA. Segundo a associação, naquele período o tribunal baiano possuía 1.542 oficiais de justiça, ou seja, 892 a menos do previsto da lei de estrutura administrativa da própria Corte, de 2.434. Porém o Sindicato dos Servidores dos Serviços Auxiliares do Poder Judiciário do Estado da Bahia (Sintaj) afirma que as designações temporárias sempre existiram no âmbito do TJ-BA. “Existe, inclusive, um ato normativo do tribunal que disciplina essas questões que são temporárias para prover as necessidades daquela comarca ou daquela unidade, mas assim que chega um servidor concursado, a designação cai, perde a validade. Porque o serviço não pode ficar sem ser realizado”, frisa o presidente do Sintaj, Adelson Costa Oliveira. Os remanejamentos, conforme o coordenador jurídico do Sintaj, Mozart Suzart Pedra, também não caracterizam um desvio de função. “Vou lhe dar um exemplo: em uma comarca que tenha seis servidores dentro do cartório e dois oficiais de justiça para cumprir os mandados, se um fica adoentado e o outro passa em um concurso e pede exoneração, o serviço público não pode parar. E como o Tribunal de Justiça não pode chamar ninguém agora, ele tem que remanejar dentro do próprio cartório. Normalmente pergunta qual servidor que tem interesse para ser designado e se tem formação para isso”. O jurídico do sindicato aponta que no momento o TJ-BA não pode fazer novas convocações ou nomeações. “A gente não está defendendo o tribunal, só está levantando fato concreto”, ressalta o coordenador. Mais um ponto que impede, de acordo com o sindicato, é o limite de gastos com pessoal do poder judiciário baiano. “Tem aquele limite da lei de responsabilidade fiscal que máximo é 6% da receita corrente líquida do estado, aí o aí tem um providencial 5,7% e tem um alerta 5,4%. Hoje a gente está em 4%. E o que acontece? Mesmo que o tribunal quisesse prover todas as vagas existentes, não poderia por causa desse limite”, explica o presidente do Sintaj. O sindicalista conta que entidades estão acompanhando de perto o debate no Congresso Nacional para alteração desse limite de gasto, ampliando em até 10%.
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