Das montanhas de Minas para o mundo, o mineiro se torna, cada vez mais, produto "tipo exportação". A percepção do senso comum agora é traduzida em censo oficial: o estado aparece em segundo lugar entre os que mais enviam brasileiros para terras estrangeiras, atrás apenas de São Paulo. Mas, quando o destino são os Estados Unidos, a tendência se acentua: é de Minas que parte o maior número de cidadãos brasileiros dispostos a tentar a vida na terra do Tio Sam. A constatação parte dos dados do Censo 2010, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos números do levantamento surge ainda a prova de que Minas apresentou melhorias na educação, no saneamento e na renda, mas os resultados ainda são insuficientes para conter o povo em um território reconhecido por ser o retrato do Brasil, nos melhores e nos piores aspectos.
De acordo com o IBGE, 491.645 brasileiros cruzaram as fronteiras rumo a 193 países. Desse total, 82,7 mil são mineiros. Os principais destinos foram Estados Unidos (23,8%), Portugal (13,4%), Espanha (9,4%), Japão (7,4%), Itália (7%) e Inglaterra (6,2%). Do total de brasileiros residentes nos EUA, 43,2% são mineiros. Sobrália, São Geraldo da Piedade e Fernandes Tourinho, todas no Vale do Rio Doce, perto de Governador Valadares, foram as cidades do país com a maior proporção de emigrantes, no primeiro retrato elaborado pelo censo sobre o assunto.
"A migração internacional tem um peso cultural significativo. Na Região do Rio Doce, ela começou depois da Segunda Guerra Mundial, pois havia uma mineração de norte-americanos naquela área. Na década de 1980, houve uma verdadeira fuga, pois as condições econômicas internas estimularam os brasileiros a migrar. E, a partir do momento que uma pessoa conhecida vai, ela reduz o custo da ida de outras", afirma o analista socioeconômico do IBGE Marden Campos, especialista em migração. Ele ressalta que o número de pessoas que deixaram o Brasil é muito maior, pois a pesquisa se limita ao número de emigrantes declarados pela família.
RENDA Um dos motivos para o fluxo migratório é a renda. Apesar de ter o Produto Interno Bruto entre os maiores do país, Minas Gerais apresentou renda domiciliar abaixo da média nacional, que é de R$ 2.222. O estado está no meio do caminho na comparação com outras unidades da Federação e ocupa a 15ª posição no ranking, com R$ 2.082. Também é a primeira vez que o salário de todos os moradores de cada domicílio é investigado. Para o pesquisador e professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mário Rodarte, o contraste entre riqueza produzida e renda da população é explicado pelas diferenças presentes no território mineiro, que também espelham as disparidades regionais brasileiras.
"Estamos muito acostumados a falar da região metropolitana, mas o interior tem especificidades. Os números carregam um retrato dessa posição e sugerem o reflexo da dinâmica da Região Norte do estado. Além disso, observamos ainda uma reorientação dos fluxos migratórios, pois está havendo uma atração de cidades médias, sob a forma de oportunidade de trabalho", relata. A demógrafa do IBGE Luciene Longo reforça: "Minas é uma miniatura do Brasil. O Norte é muito parecido com o Norte e o Nordeste do país, o Sul se assemelha ao Sudeste, o Triângulo ao Centro-Oeste e o Leste tem características do Espírito Santo. E quando se olha as médias, com uma exceção ou outra, o estado sempre acompanha o Brasil. É a diversidade do país refletida".
Salários Nesse caldeirão que reflete a imagem de todo um país, a análise da renda mostrou que a média salarial dos homens é quase o dobro da das mulheres. Apesar da disparidade, elas assumem cada vez mais o comando dos lares. Na década passada, representavam 24,2% dos chefes de família. Em 2010, a participação feminina saltou para 35,6%.
Conciliar a realidade de ganhar menos e assumir mais responsabilidades em casa não é tarefa das mais fáceis. Que o diga Marcilene de Melo, de 34 anos. Na carteira de trabalho, o registro é de empregada doméstica, mas, na prática, ela se considera uma mágica de mão cheia. "Sustentar a casa e criar uma filha sozinha é missão para mágico, malabarista ou para um santo capaz de fazer milagre", brinca. Separada do marido há dois anos, a "guerreira", como é chamada pela filha Bruna, de 10, e pelos vizinhos, encara uma rotina de trabalho de quase 10 horas diárias e ainda sua a camisa para manter a própria casa limpa e confortável.
Natural de Córrego Novo, no Vale do Rio Doce, Marcilene é um exemplo de migração em busca de melhores condições de vida. Nesse caso, foi menos longe que muitos de seus conterrâneos: vive no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de BH há 17 anos, e conta que a missão de chefe de família vai além de pagar as contas da casa.
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