O outdoor que exibia o poema “Quadrilha”, da poetisa baiana Lívia Natália, foi retirado da cidade de Itabuna, depois de ficar exposto por quatro dias, em vez do período de dois meses previstos para exposição. A autora diz ter sofrido "censura" com a retirada da peça, porque o poema cita a morte de um personagem negro pela Polícia Militar. “Maria não amava João. Apenas idolatrava seus pés escuros. Quando João morrreu, assassinado pela PM, Maria guardou todos os seus sapatos”, diz a poesia. O outdoor recebeu recursos do Fundo de Cultura do Estado da Bahia (FCBA) e foi alvo de críticas da Associação dos Policiais e Bombeiros Militares e seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra). Em nota à imprensa, a Aspra acusou o poema de incitar “discriminação, intolerância e racismo” contra os policiais militares baianos. A associação pediu a retirada imediata da peça das ruas. “Incentivam uma imagem equivocada dos militares. Nós não somos os criminosos, mas os responsáveis pelo combate da criminalidade”, disse o coordenador-geral da Aspra, deputado Marco Prisco. A Secretaria Estadual de Comunicação Social (Secom) afirmou que a poesia publicada no outdoor não reflete a opinião da do governo. Contudo, não esclareceu porque foi feita a retirada do outdoor da rua. O governo também disse que tem buscado permanentemente valorizar a PM, inclusive com a publicação de campanhas que representam o policial baiano como prestador de serviço fundamental para garantir a paz e a segurança da sociedade. Lívia Natália acredita que o pedido feito pela associação de policiais pode ter causado a retirada do outdoor. “Eu não posso dizer com certeza que seja reação, mas a pressão da Aspra pode ter colaborado para a retirada, até porque era isso que se pedia na nota da Aspra”, afirma. “O fato é que estamos diante de censura em pleno 2016”, critica. “Foi a primeira vez que vi isso na minha vida. Fiquei muito chocada porque é uma obra de arte. Você pode não gostar do texto, mas não tem sentido cercear a liberdade de expressão. A postura da Secom foi inepta para gerenciar o caso. O Fundo de Cultura é do governo e não é à toa que tem a bandeira da Bahia no outdoor. O esforço do governo foi de se esquivar”, reclama. A escritora disse que o poema foi inspirado no episódio em que 12 pessoas morreram em ação da PM no bairro de Cabula, em Salvador. O caso foi alvo de ação do Ministério Público, que denunciou à Justiça nove policiais por envolvimento nas mortes. A Justiça chegou a aceitar a denúncia, mas absolveu os PMs, com a alegação de legítima defesa. “O poema faz diálogo com outro, o de Carlos Drummond de Andade. O sentido de ‘quadrilha’ foi modificado. A crítica basicamente é ao extermino da juventude negra e isso é um fato, todas as pesquisas mostram isso. O poema que é uma história de amor, de Maria, que tinha João a cortejando. É uma historia que poderia acontecer e, quando acontece assasinato, ela guarda os sapatos”, explica. Em nota, a Universidade Federal da Bahia (Ufba) manifestou solidariedade à escritora, que também é professora do Instituto de Letras da instituição. O comunicado diz que a universidade repudia qualquer censura à liberdade de expressão em geral e, em particular, à liberdade de criação artística. Lívia Natália afirma que também recebeu apoio na internet, em sites de entidades do motivmento negro, assim como de usuários de redes sociais que resolveram compartilham o poema como forma de protesto. "O poema está disseminado pela internet e centenas de pessoas circularam o até fora do Brasil, em países de língua portuguesa. É um gesto muito violento de censura. É mais um gesto de silenciamento da população negra. Eles já nos matam de todas as formas possíves e ainda somos censurados quando falamos sobre isso. Se a vontade era censurar o poema, teve reação de pessoas que compreendem que aquilo é uma obra de arte", finaliza. (G1)
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