Meu primeiro cigarro foi presente da indústria do tabaco. Tinha 14 anos quando fui abordada na porta da escola, na Zona Norte de São Paulo, pela propagandista de uma marca nova. A moça era mais bonita, mais velha e, sobretudo, parecia mais segura que eu. Vestia um macacão fashion, com um grande bolso na altura do peito. De lá, tirou uma amostra grátis com três cigarros e me ofereceu. Naquele instante, de nada adiantou ter sido educada numa família não fumante. Enfiei a caixinha no bolso e corri para o quintal de casa. Sentada no chão e torcendo para ninguém aparecer, acendi um cigarro. Por sorte ou por genética, tossi, odiei o sabor e a experiência. Nunca mais tentei.
Poderia ter sido diferente. Hoje, poderia ser um dos 25 milhões de brasileiros dependentes de nicotina. A maioria luta para se livrar do vício e fracassa. Sou do tempo em que a indústria se achava no direito de viciar crianças na porta da escola. Daquela tarde de1984 para cá, muita coisa mudou. Leis foram aprovadas para inibir a propaganda e o consumo de cigarros. A população fumante caiu de 35% em 1989 para 15% em 2011. Cresceu a consciência sobre os males do tabagismo, a principal causa evitável de morte em todo o mundo. Um em cada dois fumantes morre de doenças cardiovasculares, câncer e uma lista enorme de males associados ao vício. São 5 milhões de óbitos por ano – 200 mil deles no Brasil.
Para ajudar os que decidiram se livrar do vício, ÉPOCA selecionou histórias inspiradoras de personalidades que abandonaram o cigarro. Eles serão dependentes para sempre, mas, no momento, são exemplos de sucesso. As estratégias adotadas são as mais variadas. Elas demonstram que não existe uma fórmula única e vencedora.Um fenômeno, infelizmente, não se alterou: a idade precoce da primeira experiência. Em algumas capitais, ela ocorre por volta dos 13 anos. No interior, aos 10. O vício se instala na adolescência, antes que o indivíduo tenha maturidade para tomar decisões conscientes. Fumar ou não fumar não é, ao que parece, questão de escolha.
Drauzio Varella {68 ANOS}
Médico
"Comecei a fumar aos 17 anos. Era tímido e nunca sabia o que fazer com as mãos nas festinhas. O cigarro me ajudava a sentir segurança. Tinha prometido parar quando começasse a tossir – acho horrível a tosse de fumante. Um dia voltei do trabalho e encontrei minhas filhas (na época com 4 e 2 anos) me esperando no hall do elevador. Morávamos no 10º andar. Elas disseram que sabiam que eu estava chegando porque reconheciam minha tosse. Ouviam o som desde lá de baixo. Era cancerologista e vivia com o maço de cigarros no bolso. Que moral tinha para mandar o paciente parar? Decidi parar na noite em que eu e um amigo que havia infartado fumamos dois maços. Nos primeiros dias, sentia vontade, ficava irritado. Não usei remédio, adesivo, nada. Parar foi fácil. O difícil foi tomar a decisão. Passei os 12 anos seguintes pedindo para meu irmão (o médico Fernando Varella) parar. Ele não parou e diagnosticou nele mesmo um câncer de pulmão. Em nove meses, estava morto."
Neto {45 ANOS}
Ex-jogador de futebol
"Tinha 17 anos quando comecei. Fui lá, comprei um maço, gostei e não parei mais. Fumei até os 38, todo o período em que joguei. Nunca tinha tentado parar. Até que uma história mexeu comigo. Jogava truco toda segunda-feira com amigos de Santo Antônio de Posse, e um deles comentou que o médico tinha dito ao Edmur, um amigão meu, que ele tinha cinco anos de vida se parasse de fumar. Ele morreu 15 dias depois. Abri a janela e joguei o maço de cigarros fora. Nunca mais fumei. Não quero que minha filha perca o pai por causa de cigarro. Mas é só falar em cigarro que dá água na boca. Não acredito em nenhum desses métodos. O que manda é a vontade."
Washington Olivetto {60 ANOS}
Publicitário e presidente da agência WMcCann
"Comecei a fumar aos 18 anos, logo que entrei na faculdade. Queria impressionar as meninas. Na época, as mulheres estavam começando a fumar, e eu não tinha cigarro a oferecer. Aí resolvi provar também. Fumei um maço e meio até 2001, quando fui sequestrado. Fiquei 53 dias confinado sem nem um cigarro sequer. E não me importei. Estava angustiado com coisas muito mais importantes que meu vício. Logo que saí dali, pensei que tiraria pelo menos alguma coisa boa daquilo tudo, e não fumei mais cigarro. Desde o sequestro, só fumo charutos. Elejo datas muito especiais, como meu aniversário, Natal e Ano-Novo, e, mesmo assim, fumo bem pouco. Tem uma conotação diferente de consumo, é outra história. A legislação brasileira para a publicidade do cigarro é bastante adequada. As pessoas devem ter senso crítico para decidir o que querem fazer. Vale refletir sobre um raciocínio simples: uma coisa que custa menos de R$ 4 e vem em 20 unidades não pode ser boa para você."
João Gordo {47 ANOS}
Apresentador de TV e músico
"Comecei a fumar aos 15, com uns moleques punks, e fumei três maços por dia por 20 anos. O cigarro é a droga mais forte que existe, pior que heroína e cocaína. Já cheguei a ir a pontos de ônibus na madrugada para pegar bitucas no chão. Parei em 2000, quando tive um derrame pleural e fiquei 23 dias internado. Foi uma combinação de drogas com obesidade mórbida e uma costela quebrada. Mas foi o cigarro que me assustou. O médico tirou do meu pulmão 900 mililitros de nicotina com sangue – vi aquilo e fiquei traumatizado. Decidi parar. Não tive recaídas e sentia náuseas com o cheiro da fumaça. Mas bastou colocar um cigarro na boca para tudo voltar. Fumei escondido da minha mulher por três anos. Só melhorei no ano passado, depois de uma psiquiatra me receitar um ansiolítico. O remédio segura a barra, mas ainda é complicado parar de uma vez. A indústria do cigarro devia fechar suas portas e indenizar."
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